01/01/2017 – Volume de dados da Lava Jato leva PF a criar novo sistema
Folha de S. Paulo
Flávio Ferreira
O gigantismo e a complexidade da Operação Lava Jato impuseram desafios aos peritos da Polícia Federal, e para dar conta do recado foi preciso criar ferramentas e métodos de trabalho.
As áreas de informática e engenharia da PF desenvolveram inovações que turbinaram as atividades e permitiram acompanhar o ritmo que o juiz federal Sergio Moro imprime ao caso.
O tamanho da Lava Jato pode ser medido pelo volume de dados coletados nas apurações: 1,2 milhão de gigabytes. O material veio principalmente de ações de busca e apreensão em servidores e computadores de empreiteiras.
Em 2014, ano inicial da operação, o setor de perícias da PF em Curitiba resolveu pedir a colaboração do perito Luís Filipe da Cruz Nassif, 33, que, desde 2012, vinha desenvolvendo um programa para acelerar o processamento de dados na PF.
As primeiras versões desse software, batizado de IPED (Indexador e Processador de Evidências Digitais), já mostrava vantagens em relação a produtos similares no mercado, mas, a partir das exigências da Lava Jato, Nassif implementou outras ferramentas.
Uma delas permite processar de forma simultânea dados retirados de até cem diferentes equipamentos, como laptops e celulares. Com essa inovação, é possível que todo o material obtido em uma fase inteira da Lava Jato esteja disponível para pesquisa após um dia, afirma Nassif.
Outro problema eliminado com o IPED, na Lava Jato, foi o do tempo ocioso das máquinas no momento anterior a esse processamento, o de inserção dos dados no sistema da PF. O programa permite enfileirar os trabalhos de extração de dados de equipamentos.
“Antes era preciso colocar um HD de cada vez. Agora o sistema trabalha no fim de semana, de um dia para outro, algo que os softwares do mercado não permitem”, diz.
Formado em engenharia da computação pelo IME (Instituto Militar de Engenharia) em 2005, Nassif conta que o desenvolvimento do IPED exigiu dedicação fora do horário de trabalho.
“Fiz grande parte do trabalho no meu tempo livre pessoal, em casa. Mas, de 2014 para cá, outros colegas da PF têm me ajudado “, afirma.
Nassif diz que o perito Wladimir Luiz Caldas Leite criou um detector de nudez, usado em apurações sobre pornografia infantil, e Patrick Dalla Bernardina desenvolveu um identificador de locais onde fotos e vídeos foram feitos, por georreferenciamento.
O IPED também está gerando redução de gastos para a PF e outras polícias. Antes a corporação usava um programa de análises forenses cuja licença de uso custa cerca de R$ 30 mil, anualmente, para cada máquina. Só na superintendência da PF em São Paulo, onde dez cópias do IPED são usadas, a economia, portanto, é de R$ 300 mil.
O programa já foi compartilhado com as polícias civis dos Estados do Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.
CONTRATOS
O grupo de peritos da área de engenharia da PF em Curitiba também teve que inovar.
Em um dos processos da Lava Jato, o juiz Moro indeferiu o pedido de um réu para que fosse feita uma perícia para estimar superfaturamento em contratos da Petrobras.
Segundo o juiz, a realização dessa perícia demoraria muito tempo e ela não mudaria o quadro de acusações.
Esse despacho, porém, foi encarado como um desafio pelos peritos. A PF então pediu ao juiz a quebra do sigilo fiscal de 36 consórcios de empresas que haviam contratado com a estatal de petróleo.
Após iniciar o exame dos papéis, os peritos João José de Castro Baptista Vallim, gestor do grupo da Lava Lato, Regis Signor e Alexandre Bacellar Raupp decidiram mudar o jeito de fazer as apurações.
Em vez de analisar cada contrato individualmente, por meio de cotações dos preços dos materiais usados nas obras, os peritos resolveram focar dois grandes conjuntos de licitações: um com indícios de formação de cartel e outro no qual havia mostras de disputa efetiva.
Em seguida, aplicaram métodos probabilísticos e estatísticos para identificar padrões de superfaturamento.
A confiabilidade dos resultados foi comprovada pela comparação com os dados obtidos em perícias feitas pelo método antigo, diz Vallim.
Em seis meses na Lava Jato, foi feito um trabalho que levaria oito anos pela fórmula tradicional, diz o perito.
CONEXÃO LAVA JATO
Ferramentas desenvolvidas pela Polícia Federal para acelerar as investigações
O PROGRAMA IPED
O programa de computador denominado Indexador e Processador de Evidências Digitais (IPED) foi desenvolvido principalmente pelo perito criminal federal Luís Filipe da Cruz Nassif para agilizar a análise dos dados coletados em computadores e servidores principalmente após ações de busca e apreensão em operações da PF
Principais recursos
Processamento com velocidade de até 400 gigabytes por hora em servidores modernos
Processamento automático de HDs diferentes
Localizador de palavras em português em arquivos de imagens, como fotos e vídeos
Identificação dos locais onde imagens como fotos e vídeos foram feitos, por meio de georreferenciamento
Detecção de nudez; serve para investigações sobre pornografia infantil
Recuperação de arquivos apagados em mais de 40 tipos de formatos
Identificação de arquivos criptografados
Identificação de formatos de arquivos
Vantagens em relação ao softwares do mercado
Até cinco vezes mais rápido
Suporta análise de dezenas de milhões de arquivos simultaneamente, 10 vezes mais que o líder de mercado
Permite processar vários HDs em sequência, de forma automatizada, sem a necessidade de paradas para trocas
Buscador de palavras até 100 vezes mais rápido
Gratuidade; opções de mercado custam R$ 30 mil por ano para cada máquina; só em SP a economia é de R$ 300 mil
Possui localizador de palavras em português em arquivos de imagens; outros softwares só localizam palavras em inglês
Portabilidade; pode ser usado em locais como o Ministério Público
ANÁLISE DE LICITAÇÕES
A análise de superfaturamento por conjuntos de licitações foi desenvolvida pelo grupo da Lava Jato chefiado pelo perito João José de Castro Baptista Vallim para detectar e mensurar desvios em mais de 100 concorrências sob suspeita na operação
Método da Lava Jato
Foram criados dois grandes conjuntos: um com licitações com indícios de formação de cartel e outro em que houve disputa efetiva entre as empresas. A partir daí foi possível identificar padrões de superfaturamento
Vantagens em relação ao método tradicional
Permite identificar padrões de superfaturamento que podem ser aplicados a um grande número de situações
Em seis meses foi realizado um trabalho que levaria oito anos pelo método tradicional