02/01/2011 – Pré-sal, um bilhete premiado
Isto É
Francisco Alves Filho
Investimentos e novos empregos já começam a surgir em função das gigantescas reservas, capazes de mudar o destino do País
As gigantescas reservas do pré-sal estão enterradas a sete mil metros, nas profundezas do oceano, mas já servem de combustível para a economia brasileira. O tamanho exato desse manancial – inicialmente estimado em 1,6 trilhão de metros cúbicos de gás e óleo – ainda não foi confirmado e não há data marcada para iniciar a exploração em larga escala. Mesmo assim, a expectativa positiva já atraiu para o Brasil a nata das empresas de tecnologia petrolífera. “O Rio de Janeiro está se transformando no centro mundial da inteligência em exploração de petróleo”, anuncia Segen Estefen, diretor de tecnologia e inovação da coordenação dos programas de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
No clube das grandes potências
São investimentos e novos empregos que começam a surgir. E, se isso já acontece agora, pode-se imaginar o que vai ocorrer depois que os poços passarem a jorrar diariamente sua plena produção. “A estimativa é de que as reservas do pré-sal valham algo em torno de 50% do PIB brasileiro, ou seja, cerca de R$ 1,5 trilhão”, avalia o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, da Fundação Getulio Vargas, autor de um estudo sobre o impacto desse manancial na economia do País. É um tesouro que pode fazer o Brasil entrar para sempre no clube das potências mundiais ou representar apenas um ciclo de opulência com data marcada para terminar – a definição de um ou outro caminho vai depender das decisões tomadas agora.
A previsão é de que o petróleo do pré-sal dure ao menos 40 anos. Nesse período, a extração dos campos localizados no Rio de Janeiro, Espírito Santo e em São Paulo conseguiria alavancar o País a ponto de colocá-lo em posição de destaque no xadrez da geopolítica mundial. “Acredito que poderemos rivalizar com a China em importância econômica”, arrisca o economista Alexandre Leite, do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH). “Confirmadas as previsões, temos condições de nos tornar em breve uma nação exportadora, o que nos dará vantagem em relação aos países compradores em qualquer mesa de negociação.” Esse status será facilmente alcançado, caso a produção dessa área de 800 quilômetros de litoral chegue realmente a cerca de 100 bilhões de barris de petróleo, como apostam alguns técnicos mais entusiasmados. Seria o suficiente para aumentar em 60% as reservas nacionais.
A operação do pré-sal deve estar a pleno vapor somente por volta de 2018, mas em dois ou três anos já começará a revelar seu potencial. O primeiro degrau nessa trajetória é confirmar a quantidade de petróleo e a viabilidade econômica de exploração do material. É isso que está sendo feito. “Todos os estudos realizados até o momento têm confirmado as expectativas mais otimistas”, diz Estefen. No campo de Tupi, localizado na Bacia de Santos, está sendo posto em prática atualmente o chamado teste de longa duração, operação em pequena escala na qual os cientistas observam todas as fases da produção. Esse período servirá para orientar as pesquisas que têm atraído as grandes empresas do setor vindas de todo o mundo. As que se instalaram recentemente no campus da universidade, no Fundão, foram as gigantes Halliburton e Tenaris. Nessa fase, os principais beneficiados com a chegada de tantas empresas estrangeiras são profissionais com alta especialização. Mas, em breve, o número de vagas aumentará consideravelmente, para aqueles trabalhadores de nível técnico ou superior que se qualificarem. Alguns especialistas do setor temem que o processo do pré-sal seja acelerado demais, o que impediria as indústrias nacionais de se prepararar para atender à demanda. Esse é o receio do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. “Se acelerarmos muito as licitações, vamos impossibilitar que a indústria nacional se habilite como fornecedora”, alerta. A previsão é de que a Petrobras e seus fornecedores invistam até US$ 824 bilhões nos próximos quatro anos.
Pesquisas atraem mais companhias
O presidente Lula já adiantou que esses recursos devem ser usados para melhorar a saúde, a educação e a ciência e tecnologia. Já o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pretende gastar o dinheiro para aperfeiçoar a infraestrutura do País. Os especialistas acreditam que o ideal seria fazer um plano para que essa riqueza não evapore sem deixar benefícios duradouros. “O óleo ainda está sob o mar e os políticos já estão estabelecendo onde o dinheiro vai ser gasto”, critica Barbosa Filho. “Se os recursos forem gastos como os congressistas estão propondo, vai ser o caos.”
Garantia para o bom uso dos recursos
Para o economista, as riquezas do pré-sal criam uma inédita oportunidade para que o País coloque em prática, finalmente, um planejamento de longo prazo. Além disso, diz ele, é preciso pensar nas próximas gerações e não apenas esgotar de forma irresponsável todos os recursos em troca do lucro imediato que ele pode gerar. Outro cuidado com relação às décadas seguintes é evitar concentrar a economia do País em um único pilar. “Deveríamos diversificar a matriz energética e investir também em outros setores, para o caso de o petróleo deixar de ter essa predominância mundial”, recomenda o economista Leite, da Uni-BH. Ele ainda não vê grande influência do pré-sal no cenário brasileiro, com exceção de um setor: “O impacto atual mais notável talvez seja essa competição deletéria entre os Estados pela partilha dos royalties.”
Essa disputa é um aspecto menor do imenso espectro de dúvidas, problemas e – principalmente – soluções suscitados pelo pré-sal. Depois da grande comemoração que se seguiu à descoberta dessa fenomenal reserva de petróleo, deve sobrevir agora um rigoroso planejamento. As máquinas estão prestes a funcionar e o óleo não demora a jorrar. O que fazer com a riqueza gerada por essa imensa quantidade de ouro negro é a questão a ser respondida agora – e, de preferência, com urgência.