02/11/2018 – Licitação do transporte público em Canoinhas é adiada há décadas
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Coletivo Santa Cruz explora o setor há 49 anos sem nunca ter passado por licitação
No próximo ano, o Coletivo Santa Cruz completa 50 anos transportando os canoinhenses. É a mais longa relação entre o poder público e uma empresa privada no Município.
Criada em 16 de junho de 1969, a empresa de transporte de passageiros denominada Dams e Knopp foi fundada por Emílio Carlos Dams e Leonardo Knopp (ambos já falecidos). O primeiro veículo de transporte foi uma Kombi 1966. Logo após, outro veículo Kombi ano 1967 foi adquirido. Em 1970, a Empresa comprou seu primeiro ônibus modelo Ford F-600 – ano 1960. Em 1978, passou então a denominar-se Coletivo Santa Cruz Ltda, tendo como sócios Wilson Osmar Dams, Wilmar Carlos Dams e Leonardo Knopp contando neste período com uma frota de oito ônibus.
No decorrer destas cinco décadas, a Empresa cresceu consideravelmente. Atualmente possui uma frota de mais de 50 ônibus e mais de 80 colaboradores. É um patrimônio respeitável.
A parte triste dessa história veio à tona nesta semana. A empresa decidiu extinguir as linhas de domingo por falta de passageiros. O que embarcam não cobrem os custos. Até poucos anos, as linhas de dia de semana compensavam as do final de semana, o que não vem acontecendo mais.
Para entender como a situação chegou a esse ponto, basta ver quantos veículos se acumulam nas ruas de Canoinhas nos últimos anos. A facilitação do crédito e a estabilidade da moeda levaram a um boom de venda de veículos e isso, claro, é bom para o consumidor. Tanto que o Coletivo calcula que o número de passageiros caiu mais do que pela metade nos últimos 15 anos.
Por outro lado, há uma omissão de vários governos com relação ao transporte público em Canoinhas. Começou em 1974, quando o Coletivo Santa Cruz ganha a concessão para o transporte de passageiros em Canoinhas mediante contrato por um período de cinco anos. Este contrato foi “tacitamente prorrogado” até 1º de março de 1999, como aponta o Ministério Público de Santa Catarina em ação de 2005 apontando que o instrumento original não previa a prorrogação.
Em março de 1999 o então prefeito Orlando Krautler firmou termo de renovação daquele contrato de concessão com a Coletivo Santa Cruz por mais cinco anos, com cláusula que previa a exploração do serviço “até que seja constituída legislação específica” municipal exigida pela Constituição Federal (CF). Essa Legislação nunca foi redigida.
Em 2003, quando a licitação enfim deveria sair, Krautler prorrogou o contrato e seu sucessor, Leoberto Weinert (MDB), não tomou conhecimento da necessidade de se fazer concessão. A cada ano este repórter perguntava ao então prefeito quando sairia a licitação e ouvia “No ano que vem”. Beto Faria (MDB), idem.
Em 2015, Krautler foi absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) da condenação imposta pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina de pena de cinco anos e três meses de detenção, além de multa, por atos de improbidade administrativa.
A absolvição abriu jurisprudência para a defesa de Leoberto Weinert (PMDB), que também foi condenado em primeira instância por não ter feito o processo licitatório para o transporte público.
Para o ministro relator Reynaldo Soares da Fonseca, não há provas de que houve intenção de lesar os cofres públicos. “Na hipótese dos autos, o órgão acusatório não descreveu de que forma o denunciado concorreu para a empreitada criminosa. Também não demonstrou a maneira pela qual a dispensa da licitação configurou o crime previsto no art. 89 da Lei n 8.666/1993. Não ficou nítida na inicial acusatória a intenção dos agentes em lesar os cofres públicos, tampouco a ocorrência de prejuízo. Em outras palavras, não há na inicial ofertada pelo Parquet menção à ocorrência de dolo específico ou de dano ao erário”, anotou o ministro na sua decisão, que foi acompanhada por seus pares.
O ministro faz apenas uma ressalva: “O fato de a empresa Coletivo Santa Cruz prestar bons serviços e cobrar tarifa igual ou menor que outras empresas da região, como referido por algumas testemunhas, não afasta o crime previsto no art. 89, caput, da Lei 8.666/93, porquanto, com o já consignado, se trata de crime formal e de mera conduta.”
Dessa forma, Beto Passos (PSD) também se sentiu à vontade para ignorar a irregularidade. O que a Justiça fez foi inocentar Krautler e Weinert da denúncia de lesão ao erário público, mas em momento algum disse ser desnecessário fazer licitação para exploração do transporte público.
A negligência com que desde 1974 os governantes canoinhenses trataram o setor contribuiu para se chegar a esse ponto. Teria sido diferente se houvesse licitação, com critérios a serem respeitados e possibilidade de concorrência?
Impossível responder com certeza, mas certamente uma tomada de ação por parte da administração municipal poderia tornar esse quadro diferente.