04/03/2019 – Ferrovia Norte-Sul: falta de disputa em novo leilão
Poder 360
Marlla Sabino e Paloma Rodrigues
Espinha dorsal da malha ferroviária brasileira, a Ferrovia Norte-Sul é mais uma obra faraônica que chega à fase adulta incompleta. E, não por mera coincidência, é também manchada por irregularidades antigas e suspeitas de novos malfeitos. Idealizada em 1985, completa 34 anos na expectativa do leilão de seu trecho central, marcado para 28 de março.
O edital da licitação, publicado às pressas ainda no governo Temer, é alvo de contestações e acusações de concorrência desleal. Isso também aconteceu na infância do projeto, na concorrência para construção de 18 lotes da ferrovia em maio de 1987.
Na época, o colunista da Folha de S.Paulo Jânio de Freitas escreveu sobre 1 esquema de corrupção na licitação que revelou, por meio de 1 anúncio codificado na seção de classificados do jornal, o resultado da disputa. O caso ocorreu durante o governo de José Sarney (MDB).
Durante análise da minuta do edital em agosto de 2018, o Ministério Público de Contas, órgão do TCU (Tribunal de Contas da União), pediu para que o documento fosse rejeitado. A suspensão da disputa também foi recomendada pelo Ministério Público Federal em 28 de fevereiro.
O procurador Júlio Marcelo de Oliveira afirma que os termos do edital favorecem as duas empresas que fazem conexão com o trecho que será concedido: a VLI, responsável pelo tramo Norte da ferrovia até o Porto de Itaqui (MA), e a Rumo Malha Paulista, que faz conexão com a ferrovia e desemboca no Porto de Santos (SP).
A suspeita de favorecimento se deve ao fato de que a nova concessionária ficará com 1 trecho isolado que será operado entre o tramo Norte e a estrada de ferro da Rumo. Sem saída para o mar, dependeria da autorização das empresas para chegar com os trens até os portos –o direito de passagem. A tendência é de que ninguém queira entrar em 1 negócio desse tipo. Ou que os únicas interessadas sejam a VLI e a Rumo, reduzindo a concorrência.
As regras para a negociação dos direitos de passagem do vencedor não são claras no edital. E o pouco que está resolvido abarca apenas 5 dos 30 anos da concessão, afirma Júlio Marcelo. “Existe uma minuta de contrato assinada, unilateralmente, pela ANTT. Nem a Estrada de ferro Carajás nem a Malha Paulista assinaram”, disse Júlio Marcelo ao Poder360.
Para o tempo restante do contrato, o governo promete encontrar uma solução quando assinar as prorrogações antecipadas com as concessionárias. O processo da Rumo Malha Paulista é o mais adiantado, mas a minuta do edital ainda está em análise pela área técnica do TCU.
Na visão do procurador, a VLI, empresa da qual a mineradora Vale é sócia, leva ainda mais vantagem. As obras na parte ao sul dos 1.537 km que serão ofertados não estão concluídas e ficarão sob responsabilidade da Valec, estatal responsável pela construção e manutenção de ferrovias.
“É uma licitação que está dirigida para favorecer a VLI. Problemas básicos de restrição de competitividade não foram resolvidos pelo governo, nem foram tratados pelo TCU.”
Os termos estabelecidos podem, segundo Júlio Marcelo, dar à VLI ou à Rumo –ou até a 1 consórcio entre as empresas– o domínio completo das ferrovias que cruzam o Centro-Oeste do país. “É a consagração do duopólio, patrocinado por 1 governo que veio para fazer diferente.”