04/07/2012 – TCU constata erros e superfaturamento em estradas com projetos executivos
Valor Econômico
André Borges
Os escândalos de corrupção que derrubaram a cúpula do Ministério dos Transportes um ano atrás levaram o governo a tomar uma decisão radical: todos as obras ferroviárias da Valec e as reformas de estradas federais tocadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) só poderiam ser licitadas se, antes, fosse contratado um projeto executivo de engenharia. A intenção era, com esse estudo técnico (bem mais aprofundado que os projetos básicos até então contratados), garantir uma licitação correta do empreendimento, eliminando qualquer espaço para estouro de orçamento, pedidos de aditivos e superfaturamento.
O Valor teve acesso a seis auditorias realizadas este ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em contratações de projetos executivos de engenharia firmados com o Dnit. As auditorias mostram que todos os estudos apresentam falhas grosseiras e um conjunto de irregularidades que, pela natureza, não poderia ter ocorrido nem mesmo nos tradicionais projetos básicos de engenharia.
O caso mais gritante foi encontrado no projeto que prevê obras de revitalização em 218,5 quilômetros da BR-050, entre o município de Cristalina (GO) e a divisão de Goiás e Minas Gerais. Pelo estudo, a obra tem preço estimado em R$ 130,9 milhões. As irregularidades aferidas pela auditoria do tribunal, no entanto, apontaram que o projeto executivo embute um superfaturamento superior a R$ 50 milhões. Na realidade, o custo do empreendimento não deveria ultrapassar R$ 81 milhões. Na lista dos erros há problemas como superestimativa de serviços necessários, não utilização de fontes de brita e areia próximas à obra, compra de cimento asfáltico acima do previsto, entre outros.
Como medida preventiva, o TCU determinou a suspensão da licitação da obra, até que o Dnit esclareça a situação. “Nos vários pontos abordados pela equipe de fiscalização, há elementos suficientes para justificar receio quanto à impendente lesão significativa ao erário, caso a concorrência prossiga da forma como foi concebida”, diz José Múcio Monteiro, ministro relator do processo.
Outra situação grave foi encontrada no projeto executivo da BR-135, no Maranhão. A rodovia, que começa na capital São Luís e segue até Belo Horizonte (MG), é a única ligação rodoviária da capital maranhense com o restante do país. Para dar jeito num trecho de 199,3 km de asfalto castigado pelo fluxo intenso de cargas que passa pela região, o Dnit contratou um projeto executivo, o qual concluiu que seria necessário gastar R$ 207,4 milhões na obra. O levantamento feito pelo tribunal, no entanto, apontou deficiências capazes de gerar prejuízo de R$ 30,8 milhões aos cofres públicos.
Os problemas identificados pelo TCU geraram uma situação inédita no órgão de controle. Até então, as auditorias só haviam encontrado falhas em estudos básicos de engenharia. Os contratos firmados no fim do ano passado pelo Dnit, no entanto, evidenciaram que, seja básico ou executivo, os projetos continuam a apresentar irregularidades de toda ordem. “Chama a atenção a multiplicidade de falhas grosseiras identificadas nas fiscalizações”, comenta o ministro relator do processo sobre a BR-135, Augusto Nardes.
Somados os seis projetos de obras do Dnit analisados pelo tribunal (ver quadro), os empreendimentos teriam um custo total de R$ 867,2 milhões para os cofres públicos. A correção dos apontamentos, no entanto, pode levar a uma redução total de R$ 120,6 milhões, queda de 14% sobre o preço original estimado.
A adoção de projetos executivos passou a ser defendida insistentemente pelo governo como a saída para os problemas que travam as obras do país. A determinação, que começou pelos empreendimentos do Ministério dos Transportes, acabou expandida para a maior parte das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), orientação feita pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior. A exigência prévia dos estudos avançados também passou a ser critério de licitação no Ministério das Cidades, que controla as obras de mobilidade da Copa do Mundo de 2014, entre outros grandes empreendimentos de logística nos grandes centros urbanos.
“Essa situação verificada agora pelo TCU deixa claro que a origem do problema não está na nomenclatura que damos para um projeto. Na realidade, não importa se ele é básico ou executivo, o que importa é que ele tenha qualidade e que atenda às exigências legais”, diz Carlos Campos, coordenador de infraestrutura econômica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O Dnit foi procurado pelo Valor para se posicionar sobre os problemas, mas não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta edição. Nas seis auditorias realizadas pelo TCU, a autarquia vinculada ao Ministério dos Transportes garantiu que acatará as recomendações recebidas e que fará as adequações necessárias para que as obras, finalmente, saiam do papel.
Em recente entrevista ao Valor, o diretor-geral do Dnit, Jorge Fraxe, afirmou que o órgão vai tomar medidas para restringir a participação em licitações de empresas sem qualificação para elaborar esses estudos. O modelo de contratação dos estudos – hoje realizado sob a modalidade de técnica e preço – será alterado, para apertar o filtro de companhias que assumem os projetos. Nos últimos cinco meses, o Dnit enviou cerca de 40 notificações para empresas exigindo a revisão do material entregue. A autarquia começou a punir companhias por irregularidades e, com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU), abrirá processos de inidoneidade contra aquelas que não cumprirem os contratos.