06/09/2011 – O custo da corrupção
O Globo
Gil Castello Branco
Dizem que a primeira grande oportunidade para a corrupção prosperar surgiu na criação do mundo. Com o diabo à espreita e a inexistência de tribunais de contas, a “obra” foi realizada em seis dias, sem licitação. Ao que se saiba, não foi instalada qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e nenhuma suspeita foi levantada quanto à idoneidade do Criador…
De lá para cá, os desvios se avolumaram pelos quatro cantos do mundo. O Banco Mundial estima que US$1 trilhão por ano sejam tragados pelos corruptos. O valor corresponde a 1,6% do PIB mundial em 2010 (US$63 trilhões), superando em 43% o gasto dos Estados Unidos com armamentos (US$698 bilhões). Paradoxalmente, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) considera que US$30 bilhões por ano são suficientes para acabar com a fome de quase um bilhão de pessoas no planeta. Assim, tal como no Brasil, “faxina mundial” em favor da moralidade poderia eliminar a miséria. Pura utopia.
Na realidade, a quantificação dos malfeitos é difícil, pela óbvia ausência de recibos e notas fiscais. No entanto, recentemente, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgou estudo sobre o impacto da roubalheira em nosso país, concluindo que os desvios giram entre R$50,8 bilhões e R$84,5 bilhões por ano, algo em torno de 1,4% a 2,3% do PIB brasileiro em 2010.
Na hipótese otimista, tomando-se o extremo inferior do intervalo, o montante de R$50,8 bilhões é equivalente às ações concluídas entre 2007 e 2010 no setor de logística do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em outras palavras, em cenário fictício de um ano sem corrupção, o país teria recursos para duplicar as obras realizadas nos últimos quatro anos em rodovias, ferrovias, marinha mercante, aeroportos, portos e hidrovias.
Na área social, com R$50,8 bilhões poderiam ser construídas 918 mil casas populares do programa Minha Casa, Minha Vida ou 57.600 escolas para as séries iniciais do ensino fundamental. É evidente, portanto, a imensa participação da desonestidade no chamado Custo Brasil.
Os cálculos realizados pela Fiesp derivam da pesquisa sobre o Índice de Percepção da Corrupção, realizada pela ONG Transparência Internacional. Desde 1995, a entidade atribui notas de 0 a 10 aos países mais ou menos corruptos, respectivamente. Ao longo desses 16 anos, a nota média do Brasil foi 3,65. Em 2009 e 2010, a nota 3,70 aproximou-se do valor médio, demonstrando que nas últimas décadas a situação é estável. Em resumo, há anos estamos sendo reprovados nessa matéria.
No domingo passado, o jornal “Folha de S.Paulo” divulgou interessante estudo do economista da Fundação Getúlio Vargas Marcos Fernandes da Silva, contabilizando os desvios de recursos federais descobertos no período 2002 a 2008. A soma de R$40 bilhões, apurada pelos órgãos de controle, obviamente não inclui o que permaneceu desconhecido, além das falcatruas nos estados e municípios. Assim, é apenas a ponta do iceberg.
O diagnóstico sobre as causas da corrupção brasileira é quase unânime. A colonização de 300 anos é o componente histórico. Outros pontos fundamentais são a imunidade parlamentar, o sigilo bancário excessivo, a falta de transparência das contas públicas, a elevada quantidade de funções comissionadas, os critérios para nomeação de juízes e ministros de tribunais superiores, o foro privilegiado para autoridades, os financiamentos de campanhas eleitorais, as emendas parlamentares e a morosidade da Justiça. Esses aspectos, em conjunto ou individualmente, levam à impunidade.
Apesar do consenso quanto aos focos que realimentam as fraudes, cerca de 70 projetos de lei estão engavetados no Congresso Nacional. Versam sobre a responsabilização criminal das empresas corruptoras, criação de obrigações para as instituições financeiras, sanções aplicáveis aos servidores no caso de enriquecimento ilícito, dentre outros temas relevantes. Enquanto isso foi votada a absolvição da deputada Jaqueline Roriz.
No Brasil, a oportunidade faz o ladrão. Com a proximidade da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, a bola da vez são as obras nos estádios e de mobilidade urbana, além dos cursos de capacitação. Somente para a Copa já estão previstos investimentos de R$23,9 bilhões, valor que vai crescer. A possibilidade de a corrupção aumentar nos próximos anos é enorme. Afinal, em nosso país, realizar obra de grande porte sem risco de desvio de recursos é missão quase impossível. É tarefa para o Criador.