07/10/2014 – Escutas revelam como funcionava o esquema da ‘Máfia do Asfalto’
G1
Gaeco divulgou nesta terça-feira o balanço da Operação Fratelli.
Processo tem mais de 30 mil páginas e números impressionantes.
O Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) divulgou nesta terça-feira (7) um balanço da Operação Fratelli, que desmantelou um grande esquema de fraude em licitações em prefeituras do noroeste paulista e do estado no ano passado. Segundo as investigações, as transações eram feitas por meio das empresas do grupo Scamatti, de Votuporanga (SP).
A suspeita da promotoria é que quase 700 processos tenham sido fraudados no noroeste paulista. A equipe da TV TEM teve acesso com exclusividade a gravações autorizadas pela Justiça que mostram como representantes do grupo tinham contato irrestrito a emendas parlamentares, que representavam milhões de reais para prefeituras, para a abertura de licitações que o mesmo grupo venceria.
O processo tem mais de 30 mil páginas e os números da investigação são impressionantes: durante um ano e meio de trabalho, o Ministério Público denunciou quase 60 pessoas por envolvimento em um grande esquema de fraudes em licitações, conhecido como “Máfia do Asfalto” que, segundo apurou o Gaeco, movimentou R$ 16 milhões. “O balanço é positivo porque concluiu a investigação. Nós conseguimos oferecer denúncia contra o grupo criminoso por formação de quadrilha e depois disso ajudamos em mais 16 denúncias contra fraudes em licitações”, afirma o promotor Evandro Ornellas.
Tudo teve início em 2008, quando promotores do Gaeco começaram a investigar suspeitas de favorecimento a empreiteiras nos processos de licitação de prefeituras do noroeste paulista. Somente empresas ligadas ao grupo venciam as disputas para recapeamento de asfalto em cidades da região.
Olívio Scamatti, apontado como chefe do grupo, chegou a ser preso em abril do ano passado, junto com outras 12 pessoas que fariam parte do esquema. Entre os crimes estão formação de quadrilha, falsidade ideológica e fraudes em processos públicos. Atualmente, todos estão em liberdade, mas os patrimônios dos réus estão bloqueados.
A suspeita da promotoria é de que aproximadamente 640 processos tenham sido fraudados na região. Os empreiteiros negociavam propina com prefeitos, para que pudessem conquistar o direito de fazer obras de recapeamento. Escutas telefônicas comprovam que o sistema funcionava de forma organizada. O dinheiro usado para pagar as obras vinha de emendas parlamentares, verbas que deputados estaduais e federais recebem para distribuir entre os municípios.
Em um trecho de escutas feitas com autorização da Justiça, Humberto Tonanni Neto, um dos funcionários do grupo Scamatti, inicia uma negociação com um funcionário da prefeitura de Santa Fé do Sul (SP).
Humberto: Hoje à noite vai abrir o Sincov. E aí é o seguinte, hoje fecha, o governo fecha…o deputado tal está liberado para as emendas. O deputado vai pegar e indicar, tanto de recape para Santa Fé, entendeu?
Sincov é o sistema de gestão de convênios e contratos de repasses de verbas do governo federal. O mais intrigante é que para cometer os crimes, os envolvidos faziam o caminho inverso do que seria natural. Em vez das prefeituras procurarem os deputados para pedir verba, era a empreiteira que ia atrás de tudo. “Encontramos indícios sérios que a organização criminosa teria corrompido deputados, prefeitos. E por isso, encaminhamos para a Procuradoria Geral da República todas as informações que tínhamos para ajudar nas investigações desenvolvidas por este órgão”, diz o promotor.
Em outro trecho da escuta, Humberto de novo conversa sobre as emendas parlamentares, desta vez com a funcionária de uma prefeitura.
Humberto: Olívio arrumou algumas verbas para vocês de recape.
Funcionária: Quem?
Humberto: Olívio.
Funcionária: Olívio.
Humberto: Com um deputado. E é o seguinte, hoje ou amanhã, vai ser lançado no Sincov. Então eu preciso saber quem será o responsável pelo Sincov aí, porque o assessor do deputado que vai fazer isso daí, ele quer saber quem é que ele vai ter que ligar na hora que o Sincov estiver.
Funcionária: Provavelmente é essa mesma, é essa pessoa que você está falando.
As investigações devem continuar e o promotor que cuida do caso diz que acredita na condenação da maioria dos envolvidos. O advogado de Olívio Scamatti informou que o cliente só vai falar sobre o caso na Justiça. Humberto Tonani Neto disse que não iria comentar o assunto. A prefeitura de Santa Fé do Sul informou que desconhece o envolvimento do município em qualquer esquema para fraudar licitações.