08/10/2019 – Tribunais de contas usam robôs para rastrear falhas e fazer lances em licitações
O Globo
Juliana Castro
Softwares mapeiam editais, atuam em pregões e também fiscalizam
RIO — Alice trabalha diariamente fazendo a análise de editais de licitações de todos os órgãos federais e sugere o que pode ser investigado. Já Mônica possibilita a visualização ágil e eficiente de dados dos fornecedores mais contratados e os tipos de serviço mais usados. Sofia, por sua vez, é focada em encontrar falhas, algo que algum auditor deixou passar. Alice, Mônica e Sofia são robôs que ajudam o Tribunal de Contas da União (TCU) na fiscalização. “Elas” são apenas uma face das invenções robóticas presentes no ciclo que envolve licitações por meio eletrônico no país.
Na primeira ponta dos pregões eletrônicos, está o robô que é uma espécie de rastreador. De olho no mercado, empresas privadas criaram softwares que rastreiam editais em todos os municípios do país, estados e governo federal. Assim, ao identificarem a busca do poder público por um determinado produto ou serviço, repassam a informação a empresas que justamente têm o interesse em oferecê-lo — e que pagam para serem avisadas sempre que sua mercadoria for procurada por algum órgão público. Assim, a companhia pode acompanhar o leilão (caso seja presencial) ou participar do pregão online. É uma relação entre empresas privadas, sem interferência de autoridades.
AS TRÊS FACES DA TECNOLOGIA
Já existe robô para tudo no mundo das licitações
Robô rastreador
LICITAÇÃO
Empresas privadas criaram robôs que rastreiam licitações abertas em todos os municípios e estados, além do governo federal. Assim, vendem o serviço para outras empresas que querem sempre ser acionadas caso haja uma licitação do produto que oferecem. Dessa forma, uma empresa de ar condicionado do Rio Grande do Sul pode ser acionada quando houver uma licitação no Amazonas.
Robô ‘licitador’
Imaginemos que uma licitação online vai durar quatro horas. Nas 3h50, as empresas vão fazendo os lances. Nos dez minutos restantes, entra o que nesse meio se chama de fase randômica. Ou seja, a licitação pode se encerrar a qualquer momento (em um segundo ou em 10 minutos). Por isso, ter um robô fazendo lances é vantajoso, porque como ele é mais rápido, aumenta-se a chance de a empresa que estiver fazendo uso dele de ser a vencedora.
Robô fiscalizador
Os TCEs e o TCU têm robôs que tentam identificar o uso de softwares para lances automáticos e fraudes. Ou seja, eles analisam se existe um padrão na oferta (sempre baixando de 200 em 200, por exemplo), ou se a oferta é dada em milésimos de segundos. Acontece que, sabendo disso, as empresas já passaram a fazer com que o robô simule a atividade humana. Os órgãos fiscalizadores estão sempre correndo atrás do mercado.
— É um mercado aquecido. São milhares e milhares de entes públicos que executam pregões diariamente. Isso é uma informação que vale ouro. Por exemplo, uma empresa do Rio Grande do Sul pode ser avisada e concorrer a uma licitação no interior do Amazonas — explica Aguinaldo Macedo Filho, auditor do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB), alertando que “só que isso não garante que as empresas avisadas vão ganhar”.
Vantagem
Um segundo tipo de robô é usado pelas empresas para participar dos pregões online. Esses são os mais polêmicos. Os softwares fazem lances automáticos e cobrem ofertas dos concorrentes até o valor para o qual foi programado. O robô faz em milésimos de segundos o que o ser humano leva mais tempo para fazer, vantagem que para muitos tribunais de contas estaduais e pelo próprio TCU quebra a isonomia. Como o software cobre lances mais rápido, maior a chance de a empresa vencer.
Por isso, os tribunais de contas criaram seus próprios robôs que buscam identificar se as empresas fazem lances automaticamente para vencer a licitação. Sabendo disso, no entanto, as companhias passaram a fazer com que o robô simulasse a atividade humana, variando o intervalo de lances e valores.
— Tem como identificar se quem estar operando é um robô porque uma pessoa se comporta com cliques específicos de um ser humano. O tempo de resposta de um ser humano, a mexida em mouse é diferente de um robô que faz um processo muito mecânico, com repetições de movimentos. A reação deles (empresas que desenvolvem esses softwares) foi fazer robôs que simulem atos humanos. É uma corrida que não tem fim para os órgãos de controle — explica o auditor do TCE-PB.
Os órgãos de controle têm ainda robôs que rastreiam os editais e, com base nas palavras usadas, verificam se pode ter havido direcionamento para restringir a participação de concorrentes.
O TCU mantém entendimento de 2011 que considerou violação à isonomia o uso dos robôs para lances em licitações. Já o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) teve recentemente, em junho de 2019, uma compreensão inédita a respeito do tema e admitiu a utilização de software robô em licitação estadual. A decisão foi da Primeira Câmara, que tem com três conselheiros. O conselheiro Sebastião Helvecio entendeu que não havia impedimentos legais:
— Chegamos à conclusão de que a participação do robô não traz prejuízo para a licitação. E, para a administração pública, é bom que o produto seja ofertado pelo menor preço possível.