09/01/2013 – 0 pacote e a gestão portuária
O Estado de S. Paulo
Willen Manteli
A Medida Provisória (MP) n.° 595, que institui um novo marco legal para os portos, tem como pano de fundo a abertura para o investimento privado e o estímulo à competição. Por outro lado, a demanda de infraestrutura de capital intensivo no setor – estradas, ferrovias e canais escavados no fundo do mar e em estuários de rios – limita consideravelmente a viabilidade técnica e econômica da instalação de novos portos e ampliação dos atuais. Nos locais mais apropriados da costa brasileira, e mais bem servidos de infraestrutura terrestre, já existem portos organizados, quase sempre geridos por entes públicos.
Nesse cenário, o salto de desenvolvimento de que os portos necessitam não pode ficar na dependência do prometido “choque de gestão”. É fundamental que o Congresso Nacional, ao analisar as 645 emendas apresentadas, transforme a MP 595 numa lei robusta, preservando os avanços propostos pelo Executivo e permitindo uma reformulação profunda do modelo de gestão. Não há caminho fácil dentro do atual arranjo institucional do sistema. Um estudo encomendado pelo BNDES mostrou que as Companhias Docas, administradoras dos principais portos, contabilizam passivos financeiros bilionários e crescentes e hoje dependem da receita de arrendamentos para rolar suas dívidas. Essa situação deverá se agravar em razão de duas medidas do pacote: o fim do pagamento de outorgas e o critério de menor tarifa nas licitações. A alternativa de aumentar tarifas dos serviços prestados por Docas, se adotada, comprometeria o próprio princípio norteador do pacote, que é o de reduzir custos e melhorar a competitividade das exportações.
Profissionalizar a administração dos portos e firmar contratos de gestão comprometidos com desempenho e metas é uma ideia louvável, mas inviável em termos práticos. As Companhias Docas são sociedades de economia mista e, como tal, estão subordinadas a um arcabouço jurídico e a normas contábeis não condizentes com a agilidade e a flexibilidade exigidas por um estilo empresarial de administração.
Na gestão dos ativos, dos recursos humanos, dos contratos, dos investimentos – enfim, de tudo o que influi no desempenho de uma atividade econômica -, o administrador de Docas enfrenta enormes restrições legais. Planos de investimentos, por fazerem parte do Orçamento-Geral da União, precisam ser aprovados pelo Congresso Nacional, e muitas vezes a liberação das verbas ocorre quando os respectivos projetos já estão obsoletos. Normas públicas impedem inovações na gestão do corpo técnico, em aspectos como admissão, demissão e salário. Qualquer medida não ortodoxa, administrativa ou comercial, fica sujeita ao estigma da “irregularidade” e pode ser questionada pelos órgãos de fiscalização.
Enquanto a administração dos portos permanecer controlada pela União, o sistema continuará burocratizado, vulnerável a pressões corporativistas e parasitado por interesses político-partidários. Fortalecer o poder central e reduzir a autonomia de cada porto, como pretende a MP, não apenas não resolve esses problemas, como ressuscita antigas formas de administração comprovadamente ineficazes. Deve caber a cada região desenvolver seus portos. As forças produtivas que dão vida à atividade portuária têm caráter regional, é preciso estimulá-las com responsabilidade e poder de ação.
A abertura dada pelo artigo 4°da MP 595, que possibilita a licitação de concessões de portos, e pela Lei n.° 11.079/2004 (Parcerias Público-Priva- das) permite-nos vislumbrar um novo modelo na figura da Sociedade de Propósito Específico (SPE). Trata-se de uma modalidade que pode assumir a forma de companhia aberta, com valores negociados no mercado, que a lei obriga a adotar padrões de governança corporativa, e na qual fica vedado à administração pública deter a maioria do capital votante. Pode ser um bom começo para a adaptação dos portos à atual realidade econômica do Brasil e do mundo.