11/07/2014 – Prefeitura de Salvador ignora Estado e mantém a licitação para o transporte
Tribuna da Bahia
Rayllanna Lima e Victor Pinto
A contenda entre governo e prefeitura sobre a licitação do transporte público de Salvador ganha novos capítulos.
A Tribuna teve acesso ao contrato que determinou as trocas de responsabilidades das gestões do metrô, dos terminais de transbordo e da Companhia de Transportes de Salvador (CTS), datado em abril de 2013, em que nele era previsto o cumprimento do processo licitatório sob responsabilidade do Executivo soteropolitano, na cláusula sexta, a partir da formalização do documento.
O contrato foi assinado pelo governador Jaques Wagner (PT); o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM); o prefeito de Lauro de Freitas, Márcio Paiva (PP), e o então presidente da CTS, Jorge Khoury.
Ou seja: há pouco mais de um ano, o próprio Wagner estava ciente da articulação e reformulação do sistema do maior transporte de massa da capital do estado, utilizado por 55% da população.
O fato apimenta o envio da carta do governador a ACM Neto, no início desta semana, com o pedido de suspensão da abertura dos envelopes, com as propostas das empresas, marcada para a próxima segunda-feira (14). Procurado, através de sua assessoria, Ribeiro não comentou o caso.
A publicação do edital foi feita no Diário Oficial do Município (DOM) desde abril, após acordos com o Ministério Público (MP). Segundo o documento, o prazo de vigência do contrato com as empresas, antes de 35 anos, passou a ser 25. Além de modificações em linhas e a estruturação da integração com o metrô, um dos itens principais do contrato assinado pelos gestores no ano passado.
Prefeito pode ser processado caso não cumpra
O Ministério Público surge como uma peça no imbróglio. A entidade jurídica foi um dos pressionadores para a realização da licitação do transporte, um embate da promotora Rita Tourinho desde a gestão do ex-prefeito João Henrique (PSL), que saiu do cargo e deixou a medida para ser resolvida por seu substituto, prefeito ACM Neto (DEM), logo no seu primeiro ano de prefeitura.
Desde agosto do ano passado, a prefeitura de Salvador, através do então secretário Municipal de Transporte e Urbanismo, José Carlos Aleluia (DEM), havia firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao MP, com a garantia da realização da licitação mediante apresentação de prazos.
Constam como partes no documento, além de Aleluia, Rita Tourinho e ACM Neto, o promotor Adriano Marcus Brito de Assis; o superintendente da Transalvador, Fabrízzio Muller e o presidente do Seteps, José Augusto Evangelista.
Caso os compromissos firmados não ocorram, o prefeito pode ser acionado por improbidade administrativa, como determina a cláusula segunda do documento, além de ter que pagar multa diária. A promotora Rita Tourinho não vê dificuldades em prosseguir com a licitação e que não há necessidade de suspender o edital.
A representante do MP disse achar importante a preocupação do governador e confirmou que alguns pontos relatados podem ser resolvidos após a prefeitura concluir o processo de escolha, como, por exemplo, a implementação de um único bilhete para passageiros da região metropolitana de Salvador.
Parte interessada na movimentação, o Setps, através da sua assessoria de comunicação, disse que não comentaria o caso.
Políticos dizem que clima eleitoral contaminou certame
A carta do governador Jaques Wagner e as declarações contestatórias do prefeito ACM Neto sobre a tentativa de interferência do chefe do executivo baiano esquentou os bastidores políticos. O clima de eleição fez com que ambos protagonizassem mais uma contenda. Os correligionários petistas e democratas começaram a se pronunciar sobre o caso, cada um na defesa do seu padrinho.
O candidato a governador Paulo Souto (DEM), em nota enviada à imprensa, acusou o seu adversário petista de usar o fato para beneficiar o governista Rui Costa (PT), seu concorrente de urna. “Com a proximidade das eleições, o PT de Wagner tenta boicotar abertamente a Prefeitura de Salvador. Por trás dessa tentativa está o propósito de alavancar a candidatura petista ao Palácio de Ondina. O governador não hesita em causar prejuízos à população de Salvador”, denuncia.
O prefeito ACM Neto, mesmo depois das duras críticas através do rádio, chegou a usar sua conta no Twitter para alfinetar o governador. “Precisamos com urgência melhorar a qualidade do nosso transporte público. Quem tenta impedir esse processo não pensa no cidadão de Salvador”, postou em seu perfil pessoal no microblog.
O líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Zé Neto (PT), partiu para a defesa da solicitação feita pelo governador e rechaçou os ataques feitos pelos adversários que, segundo o petista, tentam tirar o foco do debate insuflando o tema para os aspectos eleitorais.
“Quando foi bom passar a administração do metrô da prefeitura ao estado, pois o município não tinha como arcar, aí o governo era ótimo, era bom. Agora que surge um pequeno ônus, de extrema importância, para debater o transporte de Salvador, o governo agora é vilão. Isso tá errado. Temos que participar do debate e sair desse caráter eleitoral que eles transformaram”, disse.
Questionado sobre os motivos do governo não ter se manifestado antes, visto que houve um tempo de maturação da elaboração da proposta concessionária, Neto lembrou que o governo manteve o foco no metrô. “Teve tempo, mas o governo teve o foco no metrô, por exemplo, e outras questões de mobilidade e agora quer discutir esse assunto que perdurará pelos próximos 25 anos. É um assunto muito sério. Repito: temos que sair dessa mesquinharia eleitoral, pois não estamos tratando disso. Temos que tentar conciliar forças para o bem da população de Salvador, que pode sair prejudicada com essa história. Ninguém quer tirar autoridade da prefeitura, mas queremos, defendo, mais diálogo”, concluiu.
Secretários divergem sobre processo licitatório
Após crítica do secretário estadual de Desenvolvimento Urbano, Manuel Ribeiro, apontando equívocos técnicos no processo de licitação do transporte coletivo, o secretário municipal de Urbanismo e Transporte, Fábio Mota, acusou o governo do estado de defender interesses privados.
Em nota, o secretário municipal esclareceu questionamentos do secretário estadual, e criticou o serviço prestado pelo ferry boat.
Um dos pontos questionados por Manuel Ribeiro diz respeito à opção de utilizar outorga onerosa para arrecadar R$ 180 milhões aos cofres públicos.
Em resposta, Fábio Mota afirmou estranhar que o governo do estado defenda que os empresários do setor de transportes que atuam em Salvador não paguem pela outorga da concessão dos serviços.
De acordo com ele, cobrar outorga nas concessões é uma atitude costumeira do Governo do Estado. Como exemplo, o secretário citou a recente licitação do serviço do ferry boat, que teve como ganhador um concorrente único que se comprometeu a pagar R$ 5 milhões.
“Esse valor não deveria, então, ter sido revertido em favor de menor tarifa para o péssimo serviço prestado pelo ferry boat? Pior ainda, o estado está colocando dinheiro público na aquisição de duas embarcações para serem utilizadas pelo concessionário em um processo que vem sendo investigado pelo Ministério Público. Até hoje, os barcos não chegaram à cidade, após inúmeras previsões furadas da Agerba [Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia] e Secretaria Estadual de Infraestrutura”, disse Mota.
Esclarecendo a acusação, o secretário municipal explicou que os recursos a serem obtidos pela outorga do serviço serão integralmente revertidos em favor do transporte público de Salvador, conforme o que está determinado no edital da licitação, e de acordo com os princípios da Lei de Mobilidade.
“O projeto básico da licitação, elaborado pela competente equipe técnica da nossa secretaria, já foi elogiado pelo senhor Manuel Ribeiro quando o mesmo atuava na iniciativa privada e era de conhecimento do Governo do Estado há muito tempo. Por que só agora eles se manifestam contra?”, questionou Mota.
Outro ponto questionado por Ribeiro foi o fato da discussão sobre o processo licitatório não ter passado pela Entidade Metropolitana, o que, de acordo com ele, fere a lei que criou a entidade. Já para Mota, a tentativa de impor Entidade Metropolitana é um golpe contra a capital baiana. “Tentar impor ao município de Salvador uma Entidade Metropolitana concebida nas sombras por mentalidade empreiteira e tentar, com um golpe de mão, impedir o legítimo direito municipal de conceder os serviços de transportes por meio de uma licitação que foi determinada e vem sendo acompanhada pelo Ministério Público e Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) é atitude inaceitável de interferência e desrespeito à independência dos entes federativos assegurada pela Constituição Federal”, concluiu.
Procurado para comentar as declarações feitas por Mota, o chefe da Sedur, através da Assessoria de Comunicação, informou que não iria se pronunciar sobre o assunto.