13/09/2011 – Empresas questionam uso de software em licitações
Valor Econômico
Maíra Magro
O uso de softwares “robôs” para fraudar pregões eletrônicos do governo federal está levando empresas ao Judiciário. Uma liminar do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, suspendeu uma licitação do Ministério da Saúde em que a vencedora é acusada de burlar o sistema do Comprasnet – o site de compras do governo – usando um programa de computador capaz de cobrir, em frações de segundos, cada lance da concorrente. É a primeira decisão judicial de que se tem notícia sobre o uso desses softwares, disseminados principalmente no último ano nos pregões.No sistema de leilão invertido do Comprasnet, ganha quem der um lance de valor mais baixo. O objetivo é economizar nas contratações do poder público. Mas alguns procedimentos começaram a gerar suspeita nessas licitações. Concorrentes identificaram que seus lances eram cobertos imediatamente por outra empresa, após um intervalo de milionésimos de segundos – mais rápido que um piscar de olhos. Ou seja, o lance já nascia morto. E o valor ofertado por quem acabava ganhando diferia pouquíssimo do preço até então vencedor.
Se a situação se repete sucessivamente em um único pregão, surgem indícios de que não se trata de resposta humana, mas de um sistema automatizado capaz de garantir a vitória do usuário.
A primeira liminar foi obtida pela Orion Telecomunicações Engenharia, de Brasília, que entrou na Justiça para pedir a anulação de uma licitação do Ministério da Saúde, para serviços de manutenção, fornecimento de peças e materiais. A Orion alega que a vencedora, a 2 MM Eletro, teria recorrido ao robô.
O desembargador federal Fagundes de Deus, relator do caso no TRF, concedeu a liminar para suspender a licitação, considerando a necessidade de se respeitar a isonomia entre os participantes. Para ele, houve “veementes indícios de concorrência desleal”. A decisão menciona “lances automáticos dados pela empresa 2 MM Eletro, imediatamente após os lances enviados pela Orion, cuja diferença de tempo é de fração de segundos”. Segundo a liminar, a 2 MM deu o último lance, que lhe garantiu a vitória, menos de um segundo depois da oferta da concorrente – conseguindo aproveitar o que restava de tempo para o encerramento do leilão.
A Orion evitou comentar o caso. Procurada pelo Valor, a 2 MM não retornou as ligações. O Ministério da Saúde afirmou que vai recorrer da decisão, adicionando, em nota, que “a escolha da vencedora foi definida pelo melhor preço ofertado”, e que o eventual uso desses softwares “não feriria a legalidade da licitação”.
Quem identifica a prática nos concorrentes discorda dessa conclusão. “O uso de robôs fere o princípio da isonomia e da moralidade na administração pública”, defende o advogado Wagner Mitian Medeiros, que representa a prestadora de serviços de comunicação Clip & Clipping, de Brasília, em duas ações na Justiça. A empresa diz que perdeu cerca de dez licitações em um ano por causa do uso de robôs. “Se dou um lance de R$ 10, em milionésimos de segundos eles colocam R$ 9,99”, diz o representante de licitações da Clip & Clipping, Paulo Henrique de Oliveira Nadiceo. “Manualmente, seria impossível.”
Depois de questionar os resultados administrativamente, sem sucesso, a empresa recorreu ao Judiciário. Os processos pedem a anulação de licitações dos ministérios do Planejamento e do Turismo, para monitoramento de programação de TV. A vencedora, a LDC Linha Direta Comunicação, nega recorrer aos softwares inteligentes: “Usamos as ferramentas que o Comprasnet oferece e todas as demais empresas utilizam”, diz o proprietário, Luís Augusto Mendonça.
Os processos ainda não foram julgados no mérito, mas, em ambos os casos, a liminar foi negada em primeira instância, possibilitando a assinatura dos contratos. O Ministério do Turismo afirmou que “respeita todos os princípios licitatórios de acordo a legislação vigente” e que “aguarda o posicionamento da Justiça para tomar as devidas providências”.
Outros casos chegaram ao Tribunal de Contas da União (TCU). A empresa de máquinas industriais Ricall pede a anulação de uma licitação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), feita em julho de 2010, para locação de máquinas de impressão. A Ricall acusa a vencedora, a Stoque Soluções Tecnológicas, de valer-se dos programas para fraudar pregões, apontando lances sucessivamente cobertos em centésimos de segundos. No fim da licitação, por exemplo, a Ricall ofereceu R$ 1.634.000. Um segundo depois, a Stoque disparou o lance vencedor, de R$ 1.633.990,49.
A Stoque replicou que “usou os mesmos recursos disponibilizados a todos os licitantes” e já perdeu dezenas de processos nos últimos segundos da sessão de lances. Afirmou ainda que, nos pregões, seus funcionários são orientados a dar lances “com a maior velocidade possível”, cobrindo os valores apresentados pela própria empresa, se necessário. A EBC afirmou que o TCU arquivou o processo por considerar que a licitação transcorreu regularmente.
Paralelamente, num relatório de auditoria na Secretaria de Logística e Tecnologia do Ministério do Planejamento – responsável pelo Comprasnet -, o TCU pediu providências para coibir o uso de robôs. O relator do caso no TCU, o ministro Valmir Campelo, entendeu que o procedimento fere a isonomia entre os participantes.