14/01/2017 – No Sul, fraudes em bolsas de estudo, propina para pesca e sumiço de 400 t de asfalto
Rondônia ao Vivo
O Paraná, terra da Operação Lava Jato, também pode incluir no currículo a maior ação de combate à corrupção já realizada no Sul do país nos últimos três anos. Mais de 180 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal na Operação Pecúlio, que levou para a cadeia vários ex-vereadores, um ex-prefeito e diversos servidores públicos em Foz do Iguaçu em 2016.
O esquema envolvia uma série de crimes: peculato, fraudes em licitações, organização criminosa, falsidade ideológica, dispensa indevida de licitação e usurpação do exercício de função pública. Os desvios podem chegar a mais de R$ 30 milhões.
Além do assalto ao erário, as investigações mostraram que velhas práticas da política brasileira continuam acontecendo, como o pagamento de mensalidades a vereadores em troca de apoio, indicações de familiares para cargos públicos e recebimento de propinas para agilizar pagamentos a fornecedores.
O esquema, segundo o MPF, tinha como base a prefeitura. “Há indícios de que as verbas da União, dentre outras, foram desviadas pela organização criminosa a fim de abastecer o esquema denominado ‘mensalinho’, supostamente instituído no âmbito da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu”, resumiu o juiz federal Matheus Gaspar, ao receber a denúncia do MPF.
Para votar matérias de interesse da Prefeitura de Foz do Iguaçu, segundo os investigadores, pelo menos 12 vereadores recebiam entre R$ 5.000 e R$ 10 mil mensais
Todos os números da Operação Pecúlio são grandes: a denúncia, feita em fevereiro de 2017 pelos procuradores da República em Foz do Iguaçu, precisou de cerca de 700 páginas para detalhar a atuação de cada um dos 98 acusados. Em junho de 2016, o MPF já havia denunciado 85 pessoas, totalizando 183 envolvidos. Todos se tornaram réus no mais importante processo aberto no Paraná, depois da Operação Lava Jato.
Foram presas 31 pessoas, incluindo um ex-prefeito, ex-vereadores, ex-secretários municipais e empresários. Todos respondem ao processo em liberdade.
Nos últimos três anos, as ações da PF, da CGU (Controladoria-Geral da União) e do Ministério Público apuraram pelo menos R$ 1,5 bilhão em fraudes contra a administração pública nos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná. Os casos incluem até desvios de recursos para bolsas de ensino, para restaurantes universitários e para a preservação ambiental.
Na primeira semana de agosto de 2017, 16 pessoas foram condenadas pelo juiz federal Sergio Moro, titular da ação da Lava Jato em Curitiba, por desvio de recursos ocorridos no Instituto Federal do Paraná, órgão de ensino técnico.
O rombo veio à tona em 2013, durante a Operação Sinapse, da Polícia Federal, que desarticulou um esquema de fraudes em licitações, contratos e prestações de contas. Nesse período, Moro se tornou um dos principais protagonistas no combate à corrupção e dezenas de pessoas foram presas pelos desvios na Petrobras, mas os problemas envolvendo irregularidades em instituições federais de ensino continuaram.
Na capital paranaense, 27 pessoas sem nenhum vínculo com a Universidade Federal do Paraná e nem mesmo formação superior foram contempladas com bolsas de estudos e de pesquisa no Brasil e no exterior entre 2013 e 2016 –uma fraude que desviou R$ 7,3 milhões.
Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) detectou que quatro funcionárias da instituição forjaram os processos usando “laranjas” que emprestaram nomes e documentos para a prática das fraudes. Segundo o Ministério Público Federal, os pagamentos fraudulentos ocorridos apenas nos anos de 2015 e 2016 consumiram 30% do orçamento total da UFPR destinado às bolsas de estudos e pesquisa.
Nas três fases da Operação Research, desencadeada entre fevereiro e março deste ano, foram presas 29 pessoas. Muitos eram “laranjas”, em geral pessoas de baixo poder aquisitivo, com no máximo o ensino médio e cadastradas em programas sociais do governo.
Esquema semelhante foi identificado em Porto Alegre, capital gaúcha, onde seis pessoas foram presas em dezembro de 2016 acusadas de desviar recursos de programas de extensão e pós-graduação em saúde coletiva.
Segundo a PF, pessoas sem vínculos com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) recebiam até R$ 6.200 pelo Bolsa Doutorado, dinheiro que era repassado em partes ou integralmente para coordenadores do programa. A quantia desviada, conforme a Operação PhD, foi de R$ 5,8 milhões.
Para chegar ao esquema, a PF utilizou, pela primeira vez, o Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro, que usa tecnologia avançada para o cruzamento de dados financeiros e detecção de lavagem de dinheiro. Além da PF, o equipamento está sendo utilizado por diversos órgãos de investigação e fiscalização no país, incluindo o Ministério Público.
Em outra instituição pública gaúcha, o prejuízo chegou a R$ 3 milhões com fraude que envolvia restaurantes na Universidade Federal do Pampa (Unipampa). As investigações encontraram indícios de que servidores ajudaram no lançamento duplicado das refeições –havia registros de refeições de alunos com minutos de diferença no mesmo dia em restaurantes diferentes. As irregularidades originaram a Operação Bandejão, que fez 20 buscas em sete cidades gaúchas e em Araraquara (SP), em outubro do ano passado. Não houve prisões, apenas três conduções coercitivas.
Em Florianópolis, dez vereadores tornaram-se réus, no final de 2016, na ação que apura o envolvimento dos políticos em alterações da chamada Lei da Cidade Limpa. O esquema, segundo a investigação que resultou na Operação Ave de Rapina, também tinha a participação de empresários do setor de mídia externa (outdoors) e de outros servidores públicos.
As investigações chegaram a 41 envolvidos, todos acusados de organização criminosa, concussão e lavagem de dinheiro. As fraudes somaram R$ 30 milhões, segundo a Polícia Federal.
Tubarões de todos os tipos
Em Santa Catarina, a PF prendeu 19 pessoas de uma única vez, em outubro de 2015, durante investigação sobre a concessão ilegal de permissões de pesca industrial no Estado. Nove presos eram servidores públicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do extinto Ministério da Pesca.
Para desarticular a organização, a PF desencadeou a Operação Enredados, que descobriu documentos mostrando pagamento de propinas de até R$ 100 mil em troca das permissões de pesca. Dos presos, 11 permaneceram detidos até 2016 e depois libertados. Atualmente, cumprem medidas cautelares.
Além de servidores públicos, participavam representantes de sindicatos, armadores de pesca e empresários, todos acusados de corrupção, tráfico de influência e advocacia administrativa. Ao mesmo tempo em que permitia a pesca ilegal, o esquema impedia o trabalho de embarcações legalizadas, uma forma de pressionar o pagamento de propinas.
Além da captura ilegal de 240 toneladas de pescado no valor de R$ 3 milhões, do rombo nos cofres públicos e do suborno de funcionários, o grupo também causou danos ambientais à fauna marinha estimados em R$ 1,4 bilhão. A pesca ilegal envolveu tubarões das espécies azul, cola-fina, anjo e raia viola, todas ameaçadas de extinção, segundo o Ibama.
Saúde, alvo frequente das fraudes
Não é de hoje que os recursos destinados à saúde, à educação e ao saneamento básico têm sido uma fonte rentável para fraudadores em várias regiões do país, principalmente em pequenos municípios.
No Paraná, em três anos, foram desviados R$ 14 milhões destinados à saúde nas cidades de Pinhais, Fazenda Rio Grande, Rio Branco do Sul, Castro, Santa Helena e Paranaguá. O esquema envolvia entidades sem fins lucrativos usadas para firmar contratos e parcerias. Somente duas instituições receberam, entre 2005 e 2013, R$ 367 milhões em dinheiro público, segundo a investigação.
No município de Pinheiro Machado (RS), uma associação privada e sem fins lucrativos enganou médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde, todos associados à entidade. Sem ter conhecimento, figuravam como prestadores de serviços, mas não recebiam o valor correspondente.
A PF não revelou o tamanho da fraude apurada na investigação, realizada em dezembro de 2016.
Em Santa Maria (RS), cidade gaúcha com mais de 260 mil habitantes no meio-oeste do Estado, o número de medicamentos adquiridos por via judicial para o tratamento do câncer em 2014 levou a PF a investigar um esquema de fraudes com a anuência de um servidor público. Ao prender o funcionário, policiais encontraram R$ 64 mil em espécie.
Segundo apuração da PF e do Ministério Público, a movimentação financeira no órgão onde o suspeito trabalhava chegava a R$ 8 milhões, e 10% desse valor pode ser de superfaturamento dos remédios.
Em Chapecó (SC), município catarinense com pouco mais de 180 mil habitantes, uma denúncia recebida pelo Ministério Público revelou um esquema semelhante ao de Santa Maria.
Cerca de R$ 2,5 milhões foram desviados do SUS (Sistema Único de Saúde) por meio de sessões de oxigenoterapia hiperbárica, um procedimento para auxiliar na cicatrização que até 2012 não consumia mais que R$ 13 mil anuais da prefeitura.
As investigações da PF constataram que uma ex-secretária municipal da Saúde destinou, entre 2013 e 2015, cerca de R$ 1,5 milhão para este tipo de tratamento. O detalhe é que o procedimento era feito em uma clínica instalada no prédio da família dela, cujo marido era um dos sócios.
Desvios no PAC, sumiço de asfalto
Em Santa Catarina, uma organização criminosa agia para direcionar licitações para obras de abastecimento de água, saneamento básico e pavimentação de vias em diversos municípios.
As obras, que faziam parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), estavam sendo realizadas em nove cidades catarinenses. Em apenas três, os desvios ultrapassaram R$ 2 milhões. Durante a Operação Águas de Prata, agentes identificaram a participação de servidores públicos nas empresas contratadas.
Em outro caso, nove pessoas foram presas no norte do Rio Grande do Sul por fraudar licitações de 20 contratos para asfaltamento de ruas no valor de R$ 30 milhões. Pelo menos 400 toneladas de asfalto que deveriam ser usadas na pavimentação de ruas desapareceram, mas os criminosos simulavam a entrega do produto por meio de falsas pesagens. Investigadores estimaram o desvio de dinheiro público em um terço do total: R$ 10 milhões.
Presidente de confederação defende fim das emendas para diminuir fraudes
Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, as emendas parlamentares ao Orçamento são um dos fatores que alimentam as fraudes.
Segundo ele, a retenção de transferências da União, “que obriga os municípios a ficarem de pires na mão em Brasília”, aliada à dependência dos recursos das emendas para serviços básicos, deixam os gestores em situação vulnerável.
“São várias as causas para o problema, mas a principal são as transferências voluntárias, as emendas que, muitas vezes, tornam os prefeitos reféns”, diz o representante dos prefeitos. Como exemplo, ele lembra o caso da máfia dos sanguessugas, referindo-se ao escândalo de emendas parlamentares para a compra de ambulâncias que envolveu vários políticos de diversos Estados brasileiros em 2005.
Para Ziulkoski, a solução seria a criação de um fundo nacional de infraestrutura, usando como modelo o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). “Não se vê desvios e nem denúncias relacionadas ao FPM”, ressalta. O fundo, previsto na Constituição de 1988, é uma das modalidades de transferência de recursos federais para as prefeituras. O coeficiente de participação de cada município é calculado com base na população e renda per capita de cada cidade.
Segundo ele, muitas vezes as irregularidades também são praticadas por falhas na gestão pública, onde o princípio fundamental é ir até onde a lei permite. “Um prefeito recebe uma determinada quantia para uma área, mas, se sobrar dinheiro, ele não pode colocar em outra área, pois estaria cometendo improbidade administrativa”, explica.
O procurador da República Mário Lúcio Avelar, que esteve à frente de investigações de casos como o Escândalo da Sudam, que apurou fraudes na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, e da Máfia dos Sanguessugas, concorda com Ziulkoski. “As emendas parlamentares têm que acabar”, afirma Avelar.
“Elas contribuem para os casos de desvios, como aconteceu no caso da Sanguessuga, que se tornou um sistema extremamente organizado em escala nacional”, acrescenta o procurador, hoje integrante do Ministério Público Federal em Goiás.
Fonte: UOL