14/04/2017 – Cartel usava bingo para escolher empresas que fariam obras
O Globo
Dimitrius Dantas
Roleta de bingo foi utilizada para definir a ordem das empresas vencedoras das licitações
SÃO PAULO — SP-255 não está na cartela do bingo, mas as obras nessa rodovia foram direcionadas para a Odebrecht na base do sorteio. É o que revelou o ex-diretor de contratos da Odebrecht Infraestrutura, Roberto Cumplido. Segundo o ex-executivo da empresa, 30 empreiteiras usaram um globo de bingo para sortear as vencedoras das obras do Departamento de Estradas e Rodagens (DER) de São Paulo.
— O sorteio foi realizado para definir a ordem dos ganhadores, conforme as obras iam sendo licitadas, e não para decidir a obra específica que cada empresa venceria. Considerando o elevado número de empresas, o sorteio ocorreu através de globo utilizado para bingo — escreveu Cumplido em documento enviado ao Ministério Público Federal.
Posteriormente, em sua declaração à força-tarefa da Lava-Jato, o ex-executivo detalhou como cerca de 30 empresas decidiam as obras das rodovias de São Paulo. Segundo Cumplido, em uma reunião no Sindicato da Indústria da Construção Pesada de São Paulo (Sinicesp), as empresas fizeram o sorteio paa definir a ordem das empresas conforme novas licitações do DER surgiam.
— O DER anunciava que ia fazer três obras na região noroeste de São Paulo. Quem estava com o número 1, era o primeiro, quem estava com o número 2, era o segundo — disse.
Após serem agraciados com uma obra, as empreiteiras voltavam ao final da fila. Em 2005, o Departamento de Estradas e Rodagens anunciou uma licitação para a execução de obras rodoviárias de recuperação de rodovias do Estado de São Paulo, com seis lotes. A Odebrecht, ao que tudo indica, tinha o número três e ficou com o terceiro lote, referente à SP-255, que liga Araraquara a Boa Esperança do Sul.
A obra, licitada por R$ 41 milhões, era considerada pequena para a Odebrecht, mas foi aceita pela empresa porque o governo do estado preparava a licitação do Rodoanel e a empresa queria, por meio da obra, conseguir maior acesso na secretaria.
— Nessa época, o governo estava começando a soltar obras do DER acima de 20, 30, 40 milhões. Já eram números que começavam a dar mais ou menos para pagar seu custo fixo, mas também estar dentro da secretaria, então essa era a ideia — disse Cumplido.
DOIS PATINHOS NA LAGOA
Após a Odebrecht conseguir a vitória na licitação, Roberto Cumplido, o então diretor-superintendente do DER, Mário Rodrigues Júnior, teria convocado Cumplido para uma reunião no departamento. Segundo Cumplido, Rodrigues Júnior solicitou o pagamento de 4% sobre o valor do contrato como propina. Segundo o diretor, o valor seria utilizado para financiamento de campanhas eleitorais. Depois, foi a vez de Mário Augusto Fattori Boschiero, então diretor do DR4, uma das diretorias regionais do departamento, também o convocou para uma reunião, solicitando 1% do valor do contrato como propina para o bom andamento da obra.
Os pagamentos foram autorizados por Benedito Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura e que também fez delação sobre o caso. Segundo o executivo, ele não sabia de ligação política nos pedidos feitos pelos funcionários do Departamento. A partir de 2007, o valor de 4% passou a ser pago a Júlio Astolphi, diretor de Engenharia do DER.
Procurada, a Secretaria de Logística e Transportes soltpou uma nota: “O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) enfatiza que todos os contratos de obras realizadas pelo órgão foram devidamente aprovados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), incluindo a executada entre 2005 e 2008 na rodovia SP-225. O DER ressalta que não compactua com qualquer tipo de irregularidade, que preza pela total transparência de seus serviços e está à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários para o avanço das investigações”.
*Estagiário, sob supervisão de Flávio Freire