17/03/2011 – Pressionados, governistas adiam votação de mudanças na Lei de Licitação
Valor Econômico
Caio Junqueira
A pressão das grandes construtoras e a rejeição da oposição devem fazer com que o governo adie a apreciação na Câmara dos Deputados das regras que flexibilizam a Lei de Licitações para as obras da Olimpíada de 2016 e para os 12 aeroportos da Copa do Mundo de 2014. O Palácio do Planalto já avalia a edição de uma nova medida provisória ou mesmo a inclusão dos dispositivos em alguma MP a ser votada dentro de algumas semanas, a fim de garantir tanto sua aprovação quanto um maior tempo de debate sobre as novas regras.
Nos últimos dias, grandes empresas como a Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht e Queiroz Galvão, junto com entidades de classe que as representam, caso da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) e da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), intermediaram conversas no Congresso Nacional nas quais manifestaram contrariedade ao texto que o governo pretende aprovar na próxima semana, dentro da discussão da MP 510.
As principal crítica das construtoras é quanto ao modelo de licitação chamado de “contratação integrada”, também conhecido por “turn key”, pelo qual as empresas ficam responsáveis pela elaboração do projeto e pela execução das obras, diferentemente de hoje, quando há uma licitação para o projeto e outra para a obra, feitos geralmente por empresas diferentes.
As empresas alegam que esse modelo transfere a elas todos os riscos econômicos inerentes à imprevisibilidade da realização de uma obra. Parlamentares envolvidos na discussão, contudo, afirmam que nesse modelo fica mais difícil para as empresas solicitarem aditivos contratuais, pois elas estabelecem o preço da obra a que vão dar andamento.
Outro ponto contestado pelas empreiteiras é quanto ao regime de preços unitários. No texto que o governo quer aprovar, esses preços devem ser apresentados de acordo com o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), elaborado pela Caixa Econômica Federal e pelo IBGE, ou pela tabela do Sistema de Custos de Obras Rodoviárias (Sicro), feito pelos ministérios dos Transportes e da Defesa. Em documento entregue a parlamentares a Abdib afirma que os preços dessas tabelas “devem ser referenciais, garantindo a liberdade de proposta dos licitantes”.
Para o presidente da Cbic, Paulo Simão, o governo conduz mal a discussão. “Assuntos polêmicos como esse têm que ser conversados. Compreendemos que os eventos (Copa e Olimpíada) estão chegando e o tempo está apertado, mas o governo, ao querer acelerar o processo licitatório, acaba dando insegurança para os atores envolvidos”, disse. Ele afirma ainda que os empresários do setor não estão confortáveis com a “má-condução” do assunto feita “de última hora”.
O argumento é semelhante ao da oposição, que critica a forma que o governo tenta alterar a Lei de Licitações. Um rascunho das mudanças estava na MP 489 que, devido ao recesso branco do período eleitoral de 2010, não foi apreciada e perdeu vigência por decurso do prazo. Neste ano, o governo tentou incluir as mudanças na MP 503, que criou a Autoridade Pública Olímpica (APO). As propostas foram incluídas horas antes da votação, a pedido do Palácio do Planalto, pelo relator, Daniel Almeida (PCdoB-BA). A oposição reagiu e conseguiu adiar a discussão, que seria feita na tramitação da MP 511. Agora, exige que o governo desista de flexibilizar a Lei de Licitações via MP. Quer que o Planalto encaminhe um projeto de lei para ser discutido.
“A lei precisa ser modernizada, não flexibilizada. E isso não pode ser feito a toque de caixa. Não podemos permitir a abertura de possibilidades para que gestores eventualmente com caráter não republicano tenham liberdades extremadas para as obras”, disse o vice-líder do DEM, Pauderney Avelino, um dos envolvidos diretamente nas negociações.
A assessoria técnica do partido elaborou uma nota em que destrincha os 35 artigos da proposta. Aponta defeitos, por exemplo, no artigo 14, que dá ao Executivo poderes para dispensar a licitação nos casos em que a medida seja necessária para preservar a segurança nacional. A hipótese, embora prevista na atual Lei de Licitações, “confere discricionariedade demasiada neste regime específico para a Copa e a Olimpíada”.
O regime prevê, entre outros aspectos, a simplificação do sistema de recursos, a inversão da fase de habilitação nas licitações, que seria feita após o julgamento das propostas; a remuneração de acordo com o desempenho da obra e a posterior negociação com o mais bem classificado na licitação, com o propósito de se chegar a um preço menor para o poder público.
A oposição também critica o fato de, dos 35 artigos, 18 deles dependerem de posterior regulamentação. “Isso torna inviável qualquer alteração com efeitos imediatos”, diz Pauderney. Há críticas também quanto ao fato de a proposta não explicar como será aferido o desempenho das empresas nas obras para que sejam realizados os pagamentos.
Especialista em licitações, o advogado e professor de direito administrativo da PUC-SP, Benedicto Porto Neto, afirma que dos projetos já apresentados desde 2007 pelo governo para alterar a Lei de Licitações, este é o mais completo. Alerta, porém, que ela precisa ser bem aplicada. “A lei depende muito da boa aplicação e de uma boa regulamentação para evitar abusos”, diz. Todas as empresas citadas, assim como a Abdib, foram procuradas, mas não quiseram se manifestar.