20/09/2021 – CPI mira contrato milionário da Cemig com empresa que tinha diretor jurídico da companhia como sócio
G1 – TV Globo – Belo Horizonte
Patrícia Fiúza
O contrato de R$ 890 mil com uma empresa de advocacia paulista, Lefosse, foi assinado pelo próprio Eduardo Soares, sem processo de licitação. O G1 teve acesso com exclusividade ao documento.
Um contrato de R$ 890 mil com uma empresa de advocacia paulista, Lefosse, assinado sem processo de licitação, é o principal alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Cemig nesta segunda-feira (20). O G1 teve acesso com exclusividade ao documento, assinado pelo atual diretor jurídico da companhia, Eduardo Soares.
Até assumir o cargo na Cemig, em março do ano passado, Soares era sócio da empresa. O contrato foi assinado em agosto do ano passado, apenas cinco meses após deixar a Lefosse e se tornar diretor da estatal mineira. Ele será ouvido pelos parlamentares após 14h.
O escritório foi contratado, segundo o documento, para prestar assessoria e suporte jurídico na negociação da recuperação judicial da Renova, subsidiária da Cemig. O pedido de recuperação judicial da empresa ocorreu em outubro de 2019.
Para os deputados, havia tempo hábil para realizar processo licitatório.
“Não era algo emergencial, que justificaria ausência de licitação. Então, se era de 2019, poderia ter feito processo licitatório para uma empresa assumir”, disse a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) ao G1.
Os valores dos honorários advocatícios, que variam de R$ 450 para estagiário a R$ 1.800 para sócios, também chamaram a atenção dos parlamentares. “Se fizermos a conta, se o estagiário trabalhar o mês inteiro, a Cemig remunerou um estagiário em R$ 79 mil”, afirmou a deputada.
Os deputados também querem saber por que a empresa começou a prestar serviço antes da assinatura do contrato. A informação foi confirmada pelo ex-gerente de Compras de Materiais e Serviços, Leandro de Castro, em depoimento no dia 23 de agosto.
“A Lefosse foi escolhida pela Diretoria Jurídica. Há pendência nessa contratação, nessa e em outras três, que ocorreram simultaneamente. Elas iniciaram a discussão de que não precisava de parecer jurídico, nem ato administrativo”, disse o ex-gerente na ocasião.
Na última audiência da CPI, realizada na quinta-feira (16), o deputado Professor Cleiton (PSB) disse que a atual gestão da Cemig criou uma “cortina de fumaça” para justificar contratações suspeitas.
“Eles apelaram para a convalidação para formalizar contratos verbais, que depois se transformaram em inexigibilidade de licitação, quando deveria ser o contrário”, disse.
Convalidação é a regularização de contratações depois dos serviços contratados já terem sido executados, o que deveria ser utilizado somente em situações emergenciais.
Mudanças para contratações
A oitiva de Eduardo Soares é bastante aguardada também pelo presidente da CPI, Cássio Soares (PSD). “Ele deu seguimento em vários processos sem licitação e sem pareceres jurídicos. Ou, então, ele mesmo fazia os próprios pareceres, o que não é comum um diretor fazer”, afirmou.
O parecer prévio da Diretoria Jurídica era uma exigência em todos os procedimentos de contratação sem licitação e precedia a apresentação de justificativa por parte da área demandante. A última etapa do processo era a Proposta de Deliberação, que deveria ser aprovada pela Diretoria Executiva e Conselho de Administração.
Mas, por determinação da própria Diretoria Jurídica, segundo a CPI, houve mudança e ficou decidido que o parecer já estaria contido na Proposta de Deliberação, que passou a ser emitida pelo Eduardo Soares.
Para o deputado da base governista Zé Guilherme (PRP), a presença de Eduardo Soares na audiência nesta segunda, será “esclarecedora”.
“A Renova esteve perto da falência e teve recentemente aprovado um plano de recuperação judicial. O Lefosse foi contratado, assim como o escritório Thomaz Bastos, nesse contexto: superar essas discussões entre os sócios na Renova e evitar que a falência da Renova viesse a gerar um passivo bilionário para a Cemig. Em questões como essa, não existe espaço para o barato que sai caro. A Cemig contratou dois dos melhores escritórios do país para defender os interesses da Companhia”, afirmou.
O que diz a Cemig
Procurada, a Cemig disse que “a Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) autoriza a contratação direta de serviços técnicos especializados com pessoas ou empresas de notória especialização como pareceres, assessorias ou consultorias técnicas”.
Leia a resposta na íntegra:
“Em relação ao Lefosse, a Cemig esclarece que se trata de um dos mais renomados escritórios de advocacia do país, contratado por suas qualificações profissionais amplamente reconhecidas e pela confiança da Companhia na sua aptidão para defesa dos interesses da Cemig no caso da Renova, que poderia gerar perdas bilionárias à Companhia.
A Cemig esclarece ainda que a Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) autoriza a contratação direta de serviços técnicos especializados com pessoas ou empresas de notória especialização como pareceres, assessorias ou consultorias técnicas. Pode haver, inclusive, mais de um prestador de serviços com notória especialização, não se tratando de uma exigência a singularidade do serviço ou a existência de fornecedor exclusivo.
Todas as contratações na Cemig são feitas após rigorosa análise jurídica e com a observância da Lei das Estatais. A forma da análise jurídica varia segundo as circunstâncias concretas, podendo ocorrer por meio de pareceres, notas técnicas, súmulas, regulamentos, revisão de minutas e respostas a consultas. O parecer jurídico não é uma exigência legal e tem caráter meramente opinativo.”