20/12/2010 – Acionada por empresas, Justiça contesta TCU
Valor Econômico
Caio Junqueira
Depois de ter sua atuação criticada e limitada pelo Palácio do Planalto e pelo Congresso Nacional, agora são as empresas e o Judiciário que começam a derrubar as recomendações do Tribunal de Contas da União sobre as obras com indícios de irregularidades graves.
A Justiça Federal do Distrito Federal, provocada por empresas do porte de Andrade Gutierrez, Camargo Corrêae SPA Engenharia, tem derrubado as decisões de retenções cautelares do TCU, adotadas com maior intensidade a partir de 2008 justamente para evitar as paralisações de obras. Por meio das retenções, o tribunal autoriza o prosseguimento da obra, desde que sejam retidos o repasse de parcelas que compensem o possível dano verificado.
A medida, segundo funcionários do tribunal, passou a ser intensificada a pedido das próprias empresas que se opunham às decisões – consideradas por elas drásticas – de paralisar obras com indícios de irregularidades. Em 2005, o TCU determinou a paralisação de 81 obras e a retenção de apenas sete. Em 2009, recomendou 32 paralisações e 24 retenções cautelares.
O processo que tem motivado as empresas a derrubarem na Justiça as decisões do TCU chegou agora ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que abrange o Distrito Federal. Promovido pela Andrade Gutierrez, refere-se a dois contratos da Valec com a empreiteira para a construção da Ferrovia Norte-Sul. Neles, diz o tribunal de contas, foram constatados indícios de sobrepreço de 22,52% em um contrato e de 21,77% em outro. Somados, o provável prejuízo ao erário é de cerca de R 120 milhões.
No fim de setembro de 2009, a Andrade questionou na 17ª vara da Justiça Federal do Distrito Federal a retenção cautelar determinada pelo TCU. Uma semana depois, obteve a tutela antecipada que suspendeu a retenção. A sentença veio cinco meses depois. Nela, a juíza Cristiane Rentzsch escreve que “não pode o particular ser penalizado se os preços-base adotados naquela licitação não estavam de acordo com a tabela de preços que o Tribunal de Contas entende, posteriormente à assinatura dos contratos, ser a adequada”.
Conclui dizendo que “o procedimento de retenção de percentual de saldo financeiro das faturas carece de fundamentação legal e possui nítido caráter de alteração unilateral dos contratos sem manutenção do equilíbrio econômico-financeiro a eles inerente”. Por fim, escreve que “a retenção de pagamentos , pura e simplesmente, caracteriza ato abusivo e enriquecimento ilícito da administração”.
Inspirados pela concessão da tutela antecipada quase que imediata e pela sentença, outras empresas também responsáveis pela Ferrovia Norte-Sul e que o TCU apontou irregularidades em seus contratos também recorreram ao Judiciário para suspender a medida.
A SPA Engenharia, que cuida da construção de aproximadamente 100 quilômetros da ferrovia em Tocantins, entrou com ação, obteve a suspensão da retenção e aguarda a decisão do juiz. O processo corre na 6ª Vara Federal do Distrito Federal. A Camargo Corrêa fez o mesmo, mas o juiz da 15ª Vara não concedeu a suspensão antecipada da retenção cautelar e agora a empresa aguarda a sentença.
No Congresso, o Comitê de Obras Irregulares da Comissão Mista do Orçamento (CMO) aponta em seu relatório as crescentes decisões judiciais em confronto com as do tribunal: “Essa realidade demonstra que o Poder Judiciário tem decidido pela ilegalidade das decisões do TCU que determinam retenção cautelar de pagamento às empresas contratadas para execução das obras da ferrovia”, concluindo que “o interesse público restará flagrantemente prejudicado na hipótese de, à justificativa de ineficiência das retenções, pelo fato de que foram legitimamente questionadas e derrubadas judicialmente, se decidir pela paralisação dos repasses orçamentários”.
Procuradas, as empresas não quiseram se manifestar.