21/11/2021 – MP entra com ação para anular áreas doadas às instituições religiosas de VG: “sem benefício à coletividade”
VGN
Rojane Marta
Borges defende que as leis municipais não se voltam a nenhuma situação que justifique o interesse público ensejador da doação do imóvel
O procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, José Antônio Borges, ingressou com ação direta de inconstitucionalidade contra o município de Várzea Grande, para anular duas leis que doaram áreas para instituições religiosas. As leis foram aprovadas e sancionadas em 2000 – na gestão Jayme Campos e em 2012 – na gestão de Sebastião dos Reis Gonçalves.
Uma das leis questionadas, que a Procuradoria Geral da República tenta anular é a 2.185, de 06 de junho de 2000, que autorizou a doação de área pública para entidade privada “Ordem Espiritualista Cristã Vale Do Amanhecer”. Ao todo, foi doada uma área com 5.115,00 metros quadrados, situada no bairro São Matheus.
Já a outra lei é a de número 3.761, de 19 de abril de 2012, que promove doa área urbana ao Templo do Amanhecer de Oliban de Várzea Grande, com 5.115,00m².
Ocorre, contudo, que no entendimento de Borges, os diplomas normativos encontram-se em desacordo com o que preceitua a Constituição do Estado de Mato Grosso e a Constituição Federal, padecendo, portanto, de vício de inconstitucionalidade.
Segundo o procurador-geral, a Constituição Federal, seu artigo 37, inciso XXI, prevê que as alienações dos bens públicos observarão o processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes. Essa mesma regra, por simetria, é prevista no artigo 186 da Constituição do Estado de Mato Grosso.
Conforme Borges, a exigência da realização do processo licitatório, além de prevista no artigo 186 da Constituição Estadual e no artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal, advém do artigo 2º da Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, o qual prevê que “as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei”.
Para ele, os bens públicos não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador, sendo o seu dever gerenciá-los nos termos da finalidade legal a que estão adstritos. Inconcebível, pois, previsão legal que, discricionariamente, autorize a doação de bens públicos a particulares.
“Com efeito, a doação da área de propriedade do Município de Várzea Grande que deveria ser empregado em prol de toda a comunidade à particulares constitui notória ofensa aos mandamentos constitucionais. No caso, verifica-se que a área doada deveria receber alguma destinação pública, seja na prestação de serviços públicos (uso especial), seja na utilização disponibilizada a todos, indistintamente (uso comum), ou ainda desafetada (bem dominical) para doação ou alienação a fim de empregar o imóvel ou a renda proveniente de sua venda também de forma a beneficiar a coletividade. Quanto a esta última hipótese, percebe-se que doze anos após a doação, o Prefeito de Várzea Grande sancionou a Lei nº 3.761/2012, revogando a Lei nº 2.185/2000, autorizando o Executivo a promover a desafetação e posterior doação a particular, porém não há interesse público justificado para referida disposição” destaca.
Borges também defende que as leis municipais não se voltam a nenhuma situação que justifique o interesse público ensejador da doação do imóvel, que deve estar cabalmente comprovado, o que não ocorre nos textos legais ora analisados.
“Observa-se, assim, clara violação aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, dada a vedação expressa no que se refere à concessão de privilégios a particulares por parte do Poder Público que não correspondam à satisfação das necessidades coletivas”.
Portanto, para ele é inquestionável a relevância e o dever de observância aos princípios jurídicos, ainda mais quando se tratam daqueles constitucionalmente consagrados.
“A afronta ao princípio da impessoalidade no caso é patente, uma vez que as Leis objurgadas beneficiam determinado particular em detrimento dos demais administrados. Como se sabe, os bens públicos são instrumentos que servem à busca da satisfação do interesse público, da coletividade, e que devem ser manejados com impessoalidade, isentos de qualquer interesse em beneficiar quem quer que seja” justifica.
Diante disso, o procurador-geral de Justiça do Estado de Mato Grosso requer a procedência da ação, com a declaração de inconstitucionalidade das Leis Municipais nº. 2.185, de 06 de junho de 2000 e 3.761, de 19 de abril de 2012, ambas do Município de Várzea Grande, por ofensa ao contido no artigo 3º, incs. II e IV; artigo 10, inc. I; artigo 127; artigo 129, caput; artigo 174, inc. VI; artigo 186 e artigo 187, todos da Constituição do Estado de Mato Grosso, com a modulação de efeitos, por razões de segurança jurídica, atribuindo-se eficácia ex nunc, nos termos do artigo 27, da Lei nº. 9.868/99, como garantia de que o gestor e terceiros, por decorrência da boa-fé derivada da presunção de constitucionalidade das leis impugnadas, não sejam compelidos a proceder com ressarcimentos e ou suportarem outras espécies de sanção.