21/05/2012 – Uso de atestados falsos permitiu concorrer em licitações maiores, diz PF
Valor Econômico
Raphael Di Cunto, Sérgio Ruck Bueno e Paola de Moura
Ao mesmo tempo em que cresciam os contratos da Delta para coleta de lixo e limpeza urbana, também surgiam denúncias de irregularidades cometidas pela empresa, que é acusada de ter usado atestados falsos para se habilitar em licitações que ainda não teria condições de participar, devido ao pequeno histórico de serviços realizados no setor.
As suspeitas levaram ao indiciamento do ex-diretor da empresa, Roberto Duque Pacheco, por falsidade ideológica e uso de documento falso, o que pode render até nove anos e seis meses de prisão. Segundo o Ministério Público Federal de Tocantins, ele alterou um documento da Prefeitura de Palmas para aumentar o repertório de serviços prestados na cidade – o que habilitou a Delta a disputar contratos em municípios maiores, como Anápolis (GO), Catalão (GO) e Itanhaém (SP).
A perícia da Polícia Federal no documento, a que o Valor teve acesso, afirma que o certificado registra 12 serviços que “sequer fazem parte do contrato”, além de apresentar uma média de serviços maior do que a registrada pelos fiscais da prefeitura. Os depoimentos no inquérito citam rumores de pagamento de propina para funcionário do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), que emitiu a certidão, até um atentado com bomba na casa de um dos denunciantes, que representava a Qualix, empresa derrotada na licitação. A PF não indica quem seria o responsável pela ação.
A Prefeitura de Palmas disse, em nota, que a licitação “obedeceu aos termos da lei” e que decisão da Justiça Estadual determinou a manutenção do contrato, por avaliar que a suspensão e contratação de uma empresa emergencialmente resultaria em mais custos aos cofres públicos. A Delta, controlada desde segunda-feira pela J&F Holding, disse que não se pronunciaria sobre os contratos da gestão anterior.
Esse atestado falso foi utilizado pela empresa para vencer a licitação da coleta de lixo do governo do Distrito Federal. O resultado da concorrência ficou paralisado dois anos, até que a companhia obteve na Justiça o direito de prestar o serviço. O contrato, pelo qual receberá R$ 470 milhões em cinco anos, foi assinado em dezembro de 2010, pouco antes da posse do atual governador, Agnelo Queiroz (PT).
O petista declarou, por meio de sua assessoria, que, no início de seu mandato, fez uma auditoria e constatou falhas na execução do serviço pela Delta que são alvo de um processo interno, mas que só poderá rescindir o contrato depois que o Tribunal Regional Federal da 1 ª Região julgar a validade da certidão emitida pelo Crea-TO. Cerca de 100 funcionários da Delta fizeram uma greve no começo de maio para protestar contra o atraso de quatro meses nos salários.
Escutas da Polícia Federal na investigação Monte Carlo mostram que o bicheiro Carlinhos Cachoeira, que a PF sustenta ser sócio ou representante da Delta na região Centro-Oeste, queria colocar um indicado seu para tomar conta do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), mas não obteve sucesso, segundo a polícia.
As irregularidades, porém, já começam a afetar os contratos. O Ministério Público de Goiás conseguiu, na Justiça, suspender a execução dos serviços da Delta para as prefeituras do Estado. A paralisação afetou principalmente Goiânia, onde a empresa aluga caminhões para a coleta e é proprietária do aterro da cidade. A companhia também possui contratos com Aparecida de Goiânia e Anápolis, cidade em que Carlinhos Cachoeira construiu seu império empresarial.
As denúncias contra Cachoeira e a Delta também levaram a uma onda de investigações onde a empresa atua, com a oposição tentando desgastar os atuais prefeitos para a eleição municipal deste ano.
Em Porto Alegre, a oposição tenta atrapalhar a campanha do prefeito José Fortunati (PDT) à reeleição com apurações sobre os contratos. O PT, maior bancada de oposição da Câmara Municipal, diz que todo o sistema de coleta e tratamento de lixo na cidade é deficiente. “Por onde a Delta passa há, no mínimo, indícios de mau uso do dinheiro público”, afirmou o líder do PT, vereador Carlos Comassetto.
A empresa atua na limpeza pública na cidade desde novembro de 2007, pelos quais recebe em média R$ 1,1 milhão por mês. Contratada pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), a Delta faz a capina das ruas e a coleta de resíduos especiais ou quando os volumes não são suportados pelas coletas domiciliar e seletiva. O primeiro contrato, de R$ 750 mil por mês, vence em setembro, enquanto o segundo acaba em novembro.
A prefeitura disse que só avaliará a substituição se a Delta for considerada inidônea pela Controladoria Geral da União (CGU). Segundo o diretor geral em exercício Carlos Gonçalves, o departamento já está realizando nova licitação para o contrato de capina (que vence em setembro) e a partir de novembro a prefeitura deixará de fazer a coleta especial. “Não vamos mais concorrer com os tele-entulhos”, disse.
No Rio de Janeiro, a participação da Delta nas terceirizações da coleta de lixo tem crescido, assim como a pressão sobre o prefeito Eduardo Paes (PMDB) – a companhia aluga caminhões para a Comlurb, empresa pública responsável pelo serviço.
O vereador Eliomar Coelho (PSOL) disse que há dois anos a empresa teve o contrato prorrogado até 2013, pelo qual recebeu um aditivo de R$ 20,1 milhões – quase 50% a mais que o custo inicial. “A Constituição, no artigo que regula as licitações, proíbe aditivos de mais de 25%”, afirmou Coelho, que pedirá investigação para o Ministério Público sobre a falta de transparência do contrato.
A coleta de lixo já foi alvo de uma CPI na Câmara Municipal em 2007 para investigar a outra contratada, a JSL, antiga Júlio Simões. Recente inspeção do Tribunal de Contas do Município, porém, constatou que os “erros” continuaram a ocorrer. Segundo o relatório, os boletins diários de operação, que registram a quilometragem percorrida pelos caminhões, tinham campos de horários de apresentação e retorno não preenchidos, assim como quilometragem, também eram rasuradas.
Em nota a JSL afirmou que “não é remunerada por quilômetro rodado, mas por um valor fixo”. “A quilometragem é um dos itens que constam nos editais apenas como estimativa e, apesar de haver a possibilidade de algum veículo rodar mais ou menos do que outros, a quilometragem total dos veículos em operação acaba sempre próxima desta estimativa”, disse. A Comlurb não se pronunciou até o fechamento desta edição.
No Rio de Janeiro, o Ministério Público ainda investiga a Delta em Nova Iguaçu, Duque de Caxias e Maricá. Em Nova Iguaçu, a empresa foi contratada sem licitação em abril do ano passado, num contrato de R$ 21,4 milhões por seis meses. Em Maricá, os procuradores abriram inquérito porque os moradores reclamaram da coleta – o contrato, de R$ 7 milhões, era emergencial e já foi cancelado.
Em Duque de Caxias, cidade onde começaram os contratos da Delta no setor, os promotores investigam a contratação de funcionários fantasmas depois de reclamações da população de que o serviço não era prestado corretamente. O caso ainda está em apuração pelo MP, que mantém o inquérito sob sigilo. Procurada na sexta-feira, a assessoria da prefeitura não se manifestou até o fechamento desta edição.