21/10/2011 – Um apagão nos sistemas de controle facilita a corrupção
Valor Econômico
Os sucessivos escândalos de corrupção demonstram a falência total dos sistemas de controle do Estado. Na ausência deles, a presidente Dilma Rousseff não terá tempo para fazer mais nada durante seu governo a não ser se ocupar de uma faxina interminável. Em quase dez meses de gestão, já se foram cinco ministros e o sexto, Orlando Silva, titular da pasta dos Esportes, está por um fio. O estrago feito pelos repasses milionários de verbas para supostas Organizações Não Governamentais, que embolsam o dinheiro e o distribui a vários beneficiários, dentro e fora do governo, é até pequeno diante dos prejuízos causados em todos os setores da vida nacional pela combinação de falta de mecanismos de controle e da lentidão desesperadora da Justiça brasileira.
Rouba-se muito dinheiro público no país. Uma amostra reveladora colhida entre 2002 e 2008 no Tribunal de Contas da União – referentes, portanto, apenas aos recursos da União – aponta desvios de R$ 40 bilhões. As verbas enviadas de Brasília aos municípios encolhem R$ 6 bilhões até chegarem a seus destinatários a cada ano (suplemento “O Custo da Corrupção”, “Folha de S. Paulo”, 4 de setembro). Nos Estados e municípios os desvios são igualmente relevantes, não importa se o leme do Executivo está nas mãos de políticos ou de empresários bem-sucedidos na vida privada. Assaltar os cofres públicos tornou-se atividade corriqueira, com baixíssimo risco de punição.
Há muitas razões para isso, mas algumas das principais são a ficção orçamentária preparada pelos legislativos federais, estaduais e municipais, as duas dezenas de milhares de cargos indicados pelo Executivo para ocupar postos-chave da República, o financiamento por baixo do pano nas campanhas eleitorais e a impunidade. Pode-se dizer que há corjas de ladrões em todas as democracias e o que as distingue é a capacidade de contê-los ou pô-los na cadeia – a qualidade e eficiência dos controles fazem muita diferença.
O controle do dinheiro público é bastante vulnerável nas licitações públicas, como tornou-se evidente nos casos das falcatruas no Dnit, do Ministério dos Transportes. Mas o expediente dos aditivos sem fim a obras públicas, de onde saem propinas e lucros indevidos, é generalizado. O orçamento de uma obra pública dá apenas uma vaga ideia do custo final do serviço que será entregue e praticamente nenhum de sua qualidade.
Falta planejamento competente, uma das condições básicas para a existência de controles eficazes. Quatro anos depois de saber que sediará a Copa do Mundo, o custo da competição não apenas continua incerto, como não para de subir. De janeiro de 2010 a outubro de 2011, a previsão de investimentos em mobilidade urbana, estádios, aeroportos etc. feita pelo governo federal saiu de R$ 21,5 bilhões para R$ 26,1 bilhões – um salto nada modesto de 21%. Se o governo não sabe quanto vai gastar, sabe que precisará de um novo expediente de licitações que agilize o processo, facilitando duplamente a vida de quem está à espreita de negócios fáceis e escusos. Um evento muito mais modesto como os Jogos Panamericanos, para o qual a pressa foi o argumento vital para a dispensa de processos licitatórios, deixou como herança elefantes brancos e superfaturamento de mais de R$ 300 milhões.
Os exemplos e ações dos Legislativos abrem uma vasta avenida para malversação de fundos públicos. Isso ocorre, por exemplo, quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara federal aprova, com a presença de dois deputados, 118 projetos de lei em três minutos. Ou quando deputados estaduais de São Paulo resolvem encurtar o processo orçamentário e negociam emendas diretamente com empreiteiras.
Não só grandes verbas atraem espertalhões – as pequenas têm seu nada desprezível poder de sedução. Criado para sustentar com um salário mínimo pescadores artesanais durante o período de reprodução dos peixes, o Bolsa Pesca foi um “sucesso” absoluto. Nunca apareceram tantos pescadores – de 113.783 em 2003, multiplicaram-se para mais de 500 mil em 2011 (“O Globo”, 7 de outubro). Donos de empresas, aposentados e pessoas mortas contribuíram para elevar a demanda e a previsão orçamentária para atendê-la, de R$ 1,3 bilhão para 2012. Há um “apagão” nos sistemas de controle e fiscalização que será ainda mais danoso ao país à medida que deslanchem vultosas obras de infraestrutura, impulsionadas pelo PAC, Copa e Olimpíada.