23/01/2022 – ‘Cemitérios’ de obras públicas crescem a cada ano e impõem altos custos para a sociedade brasileira
Jovem Pan News
Fernando Vernalha
Segundo dados do TCU, mais de quatorze mil obras públicas estão inacabadas, a grande maioria delas está com a execução suspensa, à espera de uma solução governamental
A expressão “labirinto das obras públicas”, cunhada pelo engenheiro José Eduardo Guidi, é reveladora da incapacidade do Estado em sanear o gravíssimo problema das obras paralisadas no Brasil. Os números impressionam: atualmente, mais de quatorze mil obras públicas estão inacabadas, segundo dados do TCU. A grande maioria delas está com a execução suspensa, à espera de uma solução governamental. O tema tem atraído a atenção do governo federal e algumas iniciativas foram implementadas. Mas, na prática, pouco se avançou com a superação do problema. Entraves jurídicos e burocráticos dificultam a implementação de soluções céleres e efetivas para que a execução destas obras seja retomada. Enquanto isso, os prejuízos que o “cemitério de obras públicas” (para usar aqui a expressão de Carlos Eduardo Lima Jorge, Presidente da COINFRA da CBIC) tem imposto à sociedade brasileira são imensos. Como já apontei em outro texto desta coluna, estima-se que a descontinuidade da execução destas obras produza um impacto agregado relevante na economia, com potencial de bloquear, no curto prazo, o equivalente a R$ 115,1 bilhões, e um ganho duradouro no longo prazo da ordem de R$ 42,4 bilhões por ano, segundo a CBIC.
Embora seja difícil precisar a causa prevalente da descontinuidade destas obras, já há sinais de que elas se originam principalmente de projetos falhos e mal elaborados e da interrupção no fluxo orçamentário e financeiro para viabilizar o cumprimento das obrigações de pagamento. Foram essas as conclusões a que chegou o próprio Tribunal de Contas de União, retratadas nos Acórdãos 1.188/2007 e 1.079/2019, ambos do plenário do tribunal. A interrupção no fluxo dos pagamentos é um problema que estava endereçado na proposta que deu origem à nova lei de licitações (Lei 14.133/2021), com a instituição obrigatória de uma conta vinculada aos contratos de obra pública para reservar os recursos provisionados ao custeio das obrigações de pagamento. Lamentavelmente, esta proposta foi objeto de veto presidencial, restando na lei 14.133/2021 apenas a possibilidade – e não mais a obrigatoriedade – de utilização da referida conta. Com isso, perdemos a oportunidade de instituir uma importante solução mitigadora do risco de evasão dos recursos reservados para o pagamento das parcelas da execução das obras públicas.
Já o problema das falhas de projetos tem causas diversas e sua resolução passa por aperfeiçoamentos na modelagem das licitações para a contratação de projetos e na ampliação da capacidade das Administrações em adaptar os contratos. Em relação a isso, é visível a dificuldade de muitas Administrações em proceder aos reequilíbrios contratuais para que os contratos possam ser adaptados para a correção das falhas de projeto. A ausência de parâmetros mais específicos na legislação e regulamentação para os reequilíbrios, aliado a uma regulação contratual relapsa, tem dificultado o avanço destes processos. Com receio de serem posteriormente censurados pelas instâncias de controle, os gestores públicos não ficam confortáveis em definir parâmetros, metodologias e critérios para o reequilíbrio, por ser este um tema indigesto ao controlador. E, em muitos casos, lhes falta capacidade técnica para tal. Um outro problema são os limites rígidos para a alterabilidade dos contratos. Com pouca flexibilidade para sofrerem adaptações mais expressivas, a execução de contratos de obra muitas vezes tem de ser interrompida, o que pode dar ensejo a uma obra inacabada.
Estas me parecem algumas das causas prevalentes das obras paralisadas no Brasil. A resolução de muitos problemas referidos está longe de ser trivial, dependendo de atualizações legislativas e regulatórias, e do incremento da capacidade técnica das Administrações. Além disso, o acervo de obras inacabadas está à espera de soluções ágeis e eficientes para a retomada da execução dos contratos, o que ainda enfrenta dificuldades burocráticas diversas. Há, enfim, muito ainda a se fazer para a superação do drama das obras inacabadas. Mas pouco avançaremos sem o engajamento de governos e instituições para a adoção destas iniciativas. Enquanto isso não ocorre, novos cemitérios de obras públicas surgem a cada ano, impondo custos cada vez maiores para a sociedade brasileira.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.