23/12/2011 – Falta consenso sobre produção local
Valor Econômico
Heloisa Magalhães
Organismos internacionais já se movimentam em torno da postura do governo brasileiro de privilegiar a compra de produtos desenvolvidos no país para atender ao Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Enquanto isso, no Brasil, após muitos desencontros nos encontros da indústria do setor, empresas nacionais e multinacionais procuram um caminho para que ninguém fique de fora desse mercado.
Não faltam motivos para a disputa. Os investimentos anuais para o PNBL estão estimados em R$ 17 bilhões até 2013. A indústria começou a tentar conciliar interesses no SindiTelebrasil, sindicato das empresas de telecomunicações, fabricantes e prestadores de serviços. Mas, discutir estratégias das indústrias em fórum do qual participam as operadoras [isto é, as compradoras] foi considerado inadequado.
Na terça-feira, a conclusão foi a de transferir as conversas para a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que abriga apenas os fabricantes. A decisão foi produzir um documento para encaminhar ao governo com sugestões de uma política industrial, de pesquisa e desenvolvimento, e, principalmente, em torno dos critérios usados pelo governo para definição de produto com projeto nacional. Há os que avaliam que em segmento tão globalizado essa definição não seja simples.
No exterior, o movimento de privilegiar a compra de produtos com projeto nacional já levou as indústrias americanas a levantar questões em torno do que apontam como “desvantagens para os competidores estrangeiros”.
Como o Valor noticiou ontem, os fabricantes dos EUA enviaram carta ao Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), com queixas sobre a movimentação brasileira em torno do tratamento do conteúdo local.
Independentemente das leis priorizando a compra de produtos com tecnologia nacional no setor, o movimento casou reações mais exacerbadas quando chegou até a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Para a conselheira Emília Ribeiro, a presença da agência no processo é mesmo polêmica.
Ela lembra que quando Ronaldo Sardenberg era presidente da Anatel, ele pediu um estudo de regulamento específico para a agência tratar de inovação, pesquisa e desenvolvimento. O objetivo era estimular nas licitações as empresas que investissem na preferência à produção nacional e aplicassem em fundos de pesquisa.
“Ainda não conversei com o atual presidente (João Rezende), mas não creio que o papel da Anatel seja regular a indústria. Corremos o risco de engessar o mercado. Já temos regulamentos de qualidade em vários serviços, como em banda larga, sem exigência igual no mundo, para melhorar o custo e o serviço para o usuário”, diz ela.
Com interesses tão distintos é grande a dificuldade de unir a indústria do setor. As multinacionais ouvidas pelo Valor frisam que, nem de longe, seriam contra estimular a pesquisa e o desenvolvimento local. Mas quando a questão é dar prioridade ao projeto local, basta olhar a oferta e o mercado para verificar as diferenças.
Entre os fornecedores estrangeiros, a Ericsson, por exemplo, produz equipamentos no país, enquanto outras apenas importam sob a justificativa de que a montagem local perdeu competitividade. Os fabricantes de capital nacional oferecem vários produtos, inclusive com projeto criado no país.
Mas a presença nacional no setor ainda é considerada “fragmentada e de baixa competitividade internacional”, avalia o estudo realizado por técnicos do CPqD, de Campinas. Batizado de “Perspectivas do desenvolvimento tecnológico para a Indústria brasileira de telecomunicações no contexto do PNBL”, foi encomendado pelo BNDES.
No prefácio, o departamento de indústrias de tecnologia da informação e comunicação do banco relata que há uma “excelente oportunidade para uma ação mais decisiva para fortalecer o desenvolvimento tecnológico e a produção local de bens de telecomunicações”.
A questão é saber em quais áreas investir e as chances de sucesso. Por isso, o CPqD se dispôs a fazer um estudo mostrando as carências e potencialidades do setor. De acordo com Antonio Carlos Bordeaux Rego, um dos que se envolveram com o trabalho, o panorama atual do setor entre as empresas de capital nacional é de “concorrência entre as próprias empresas e, se mantido o perfil, não irá alçar voos de competitividade internacional”.
Mas ele deixa claro que, mesmo assim, o país precisa buscar um desenvolvimento industrial competitivo. Destaca ainda que falta um programa que coordene e leve para um processo mais substancial com visão de longo prazo estabelecendo nichos para desenvolvimento local.
Para Bordeaux, um caminho seria, por exemplo, uma certificação de projeto nacional sem excluir a nacionalidade de quem faz o desenvolvimento, e sim a localidade.