24/08/2012 – Luiz Estevão vai devolver verba
Correio Braziliense
Leandro Kleber
Quinze anos após escândalo, empresa de ex-senador faz acordo e terá de pagar R$ 468 milhões à União por desvio de dinheiro público da obra do TRT de São Paulo
Grupo do ex-senador Luiz Estevão faz acordo para devolver quase meio bilhão de reais referente à obra do TRT de SP
Quase 15 anos depois da descoberta do desvio de dinheiro público que deveria ser usado para pagar a construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), os advogados da União comemoraram ontem mais uma vitória. Em acordo feito com o Grupo OK, empresa do ex-senador pelo DF Luiz Estevão, apontada pela Justiça como sócia da Incal, que venceu a licitação para tocar a obra, a Advocacia-Geral da União (AGU) viabilizou a recuperação de R$ 468 milhões. De acordo com a AGU, esse é o maior volume de recursos que os cofres públicos conseguiram recuperar.
O diretor do Departamento de Probidade e Patrimônio Público da Procuradoria-Geral da União da AGU, André Mendonça, explicou que R$ 80 milhões serão pagos à vista e o restante, R$ 388 milhões, em 96 parcelas de R$ 4 milhões, corrigidas mensalmente pela taxa Selic. Os valores referem-se a duas ações de execução que tramitaram no Tribunal de Contas da União (TCU). Uma é referente ao débito principal apurado após o desvio de dinheiro da construção do Fórum Trabalhista, iniciada em 1992. A outra trata da multa.
Segundo a AGU, o acordo corresponde apenas à parte da dívida, já que o montante foi calculado com base em critérios de correção utilizados pelo grupo empresarial. O restante, sobre o qual não há consenso, soma R$ 542 milhões e refere-se ao valor calculado de acordo com critérios do TCU. A AGU continuará cobrando esse valor na Justiça. Se ganhar a ação, o total a ser ressarcido à União pelo desvio pode passar de R$ 1 bilhão.
Para assegurar o cumprimento do acordo, a AGU manterá a penhora de 1,2 mil imóveis e de aluguéis do Grupo OK, que giram em torno de R$ 2,5 milhões por mês.
O advogado do Grupo OK, Marcelo Bessa, que participou da assinatura do acordo na sede da AGU, ontem, avaliou que a empresa optou por uma solução pragmática. “O grupo continua não reconhecendo esse valor ou qualquer responsabilidade sobre esse evento. Mas, como a empresa está sofrendo bloqueio de 100% do seu patrimônio, resolvemos nos sentar com a AGU e efetuar o pagamento, para que o grupo volte a atuar na normalidade”, disse ele.
Contas bloqueadas
O ex-senador Luiz Estevão ressalvou, porém, que está pagando uma dívida que não é dele e que não se trata de devolução de dinheiro. “Fui empurrado para dentro do processo. Nunca conversei com membro de Tribunal Regional do Trabalho, nunca fui à obra, nunca tive contato com os engenheiros da obra. Não me apropriei de coisa nenhuma. Estou pagando uma dívida que não é minha.”
Segundo o ex-senador, nos últimos meses, a Justiça bloqueou as contas bancárias dos filhos dele. “Isso me lembra os tempos da Inconfidência Mineira, quando foram condenados os filhos e os netos (dos líderes da insurreição), ainda que fossem recém-nascidos. Nessa execução, fui vítima de um retrocesso que me lembra os tempos do Brasil Colônia”, comparou. De acordo com Luiz Estevão, os R$ 468 milhões que o Grupo OK terá de pagar representam menos de 3% do patrimônio da empresa. Ele vinha costurando esse acordo com a AGU havia dois anos, conforme informou o Correio em maio do ano passado.
Ainda segundo o ex-senador, o governo vai lucrar R$ 100 milhões com o acordo firmado. “A União gastou R$ 350 milhões para comprar (construir) o prédio. Agora, vai receber 100 milhões a mais e ficar com o prédio, que fica localizado numa região nobre de São Paulo. Hoje, vale mais de R$ 800 milhões”, concluiu.
O acordo será submetido à Justiça Federal para homologação. De acordo com a AGU, o dinheiro está em uma conta controlada pela Justiça e será transferido, assim que autorizado, para o Tesouro Nacional.
Memória
O prédio do juiz Lalau
No começo dos anos 1990, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) abriu licitação para a construção do fórum trabalhista, na zona leste da cidade, vencida pela Construtora Incal. Em 1998, auditoria feita pelo Ministério Público (MP) constatou que 98% dos recursos haviam sido liberados, mas apenas 64% do projeto foi efetivamente construído.
As investigações concluíram que houve desvio de R$ 169,5 milhões dos cofres públicos. A Incal era, segundo o MP, sócia do Grupo OK, do ex-senador Luiz Estevão. Com a falência da Incal, a conta foi cobrada judicialmente do Grupo OK. O escândalo do TRT de São Paulo ficou conhecido como o “Caso Lalau”, por causa do envolvimento do então presidente da Corte Trabalhista, o juiz Nicolau dos Santos Neto, que acabou condenado a 26 anos de prisão.
As denúncias resultaram em uma ação penal e uma civil pública na Justiça Federal em São Paulo. Na área cível, houve uma ação de execução também em Brasília, que teve origem em condenação do Tribunal de Contas da União (TCU).
Na área penal, Estevão foi condenado a mais de 30 anos de prisão pelos crimes de estelionato, peculato, uso de documento falso e formação de quadrilha. Em junho de 2000, o plenário do Senado cassou o mandato do senador do DF.