25/02/2014 – MP prova conluio e superfaturamento
Diário do Grande ABC
Beto Silva
Documentos obtidos pelo Gaeco ABC (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado da região), ligado ao Ministério Público, apontam conluio entre comerciantes e consequente superfaturamento na compra de tênis pela Prefeitura de São Bernardo. Os calçados foram entregues nos anos de 2010, 2011 e 2012 pela gestão Luiz Marinho (PT). Nesse período, segundo o MP, houve desvio de pelo menos R$ 3 milhões.
O esquema era o seguinte: as companhias participavam da licitação oferecendo preços fora da realidade, mas elas mesmas forneciam os produtos para a empresa vencedora do certame a valores bem menores. A cobrar da administração municipal preços bem mais altos do que os praticados no mercado, elevavam os lucros do contrato obtidos com dinheiro oriundo de impostos dos cidadãos.
Segundo os promotores Lafaiete Ramos Pires e Mylene Comploier, responsáveis pela apuração, as licitações já começavam fraudulentas com a inversão das etapas a serem cumpridas durante o trâmite da concorrência. Uma das primeiras exigências para as empresas participarem era a apresentação de amostras. Normalmente, esse procedimento só ocorre depois das propostas financeiras e da documentação serem entregues.
Funcionários do setor de licitação da Prefeitura desclassificavam as companhias que não estavam no esquema por pequenos problemas considerados sanáveis, como cor do produto fora do padrão do edital ou palmilha sem amortecedor. Com apenas as empresas mancomunadas participando do pregão, os preços ofertados eram combinados. O que fazia a compra sair por preço maior do que o do mercado.
“Com as demais licitantes afastadas, ficavam só empresas do grupo que simulavam uma concorrência”, afirma a promotora Mylene. “Trata-se de um grande esquema para burlar licitações, com atuação direta de servidores públicos”, completa Lafaiete. A Prefeitura de Santos, por exemplo, comprou produto de melhor qualidade por preço 95% menor do que em São Bernardo, diz a promotoria.
O Diário teve acesso aos papéis que fazem parte da investigação e que comprovam a relação entre as empresas. O ciclo da fraude era completado com a empresa que deu lance cobrando alto preço da Prefeitura vendendo tênis para a companhia que venceu de fato a concorrência.
É o caso da Guimy Indústria e Comércio de Calçados, de Birigui. No dia 10 de novembro de 2010, em levantamento do governo municipal para renovar a ata de preços do ano anterior, ela cobrou R$ 39,47 para fornecer um par de tênis para o Paço. A G8 foi a vencedora do certame, ao pedir R$ 30,25 por par de calçado, num contrato que chegou ao total de R$ 5,1 milhões. Ocorre que, em nota fiscal apreendida pelo MP no início do mês em imóveis dos proprietários das empresas (veja fac-símile acima), verificou-se que a Guimy forneceu os tênis para a G8, em março daquele ano, no valor unitário de R$ 18,27.
Outro caso é o da Vulcasul, de Selviria, Mato Grosso do Sul. No pregão de 2009, cobrou R$ 30,30 para fornecer o par de tênis à Prefeitura são-bernardense. Mas, em marco de 2010, vendeu o calçado por R$ 20 para a G8, como mostra a nota fiscal também obtida pelo Ministério Público em busca e apreensão. “A G8 não tem estrutura para fabricar calçados em larga escala. Por isso tem de comprar de outras empresas depois de vencer as licitações”, explica o promotor Lafaiete.
A Prefeitura de São Bernardo não se manifestou sobre o caso ontem, como havia dito que faria no sábado. Os empresários da Guimy, Vulcasul e G8 não foram encontrados.