25/09/2017 – A justiça e a improbidade
O Estado de S.Paulo
Os tribunais têm de se empenhar ainda mais para fazer o que o CNJ lhes determina, em matéria de moralização da administração pública
Entre maio de 1995 e julho de 2016, os tribunais brasileiros julgaram 6.806 processos relativos a improbidade administrativa, que resultaram em 11.607 condenações definitivas, sem possibilidade de recursos. Desse total, 6,7% das condenações foram de empresas e 93,3% de pessoas físicas – a maioria de funcionários públicos que se deixaram corromper ou que enriqueceram ilicitamente mediante omissões dolosas, cobrança de propinas e fraudes em licitações. Entre a denúncia e a sentença, a tramitação desses processos durou, em média, seis anos.
Nas ações de improbidade administrativa, a natureza do processo judicial é basicamente cível e administrativa e um dos principais objetivos é o ressarcimento dos prejuízos causados às diferentes instâncias do poder público. As 11.607 condenações propiciaram aos cofres públicos R$ 1,5 bilhão a título de ressarcimento e mais R$ 1,5 bilhão em multas e R$ 126,7 milhões em bens confiscados. Entre as punições previstas pela legislação estão, além do ressarcimento integral dos danos e do pagamento de multas vultosas ao erário, a indisponibilidade de bens e a perda de cargo ou da função pública e dos direitos políticos, no caso de agentes públicos, ou a suspensão do direito de firmar contratos com a administração pública, no caso de empresas.
Esses números resultam de pesquisa realizada pelo Instituto Não Aceito Corrupção, que é financiado por grandes empresas e instituições financeiras, em parceria com a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), que reúne pesquisadores das áreas de direito e matemática. O levantamento somente foi possível por causa de iniciativas tomadas há cerca de dez anos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o objetivo de aperfeiçoar o banco de dados do Judiciário, modernizar os tribunais e orientar a criação de varas especializadas. Até então, não existiam nos tribunais mecanismos que reunissem informações sobre o número de ações por improbidade, corrupção e lavagem de dinheiro nem estatísticas sobre condenações e valores ressarcidos.
Uma dessas medidas foi a criação do Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa, que serviu de base para a pesquisa. Como essa base de dados ainda tem algumas limitações, os pesquisadores da ABJ desenvolveram programas e ferramentas para seleção e organização dos dados. Outra medida foi a assinatura de convênios com o Ministério da Justiça, o Ministério Público e a Controladoria-Geral da União, para acesso ao cadastro. A experiência deu tão certo que o acesso foi estendido a todos os órgãos públicos da administração direta ou indireta da União, dos Estados e municípios. Em seguida, tendo em vista que a base de dados do Judiciário é pública, o CNJ permitiu que qualquer cidadão possa acessá-la.
Entre outros efeitos positivos, as medidas permitiram às diferentes instâncias do poder público negar créditos ou incentivos fiscais indevidos e evitar a contratação de empresas e servidores condenados por improbidade administrativa. Dadas as dimensões do País, não se tinha qualquer garantia de que servidores públicos ou empresas vencedoras de licitações não tivessem sofrido condenação em algum município ou Estado.
O CNJ também patrocinou outras pesquisas semelhantes a essa. Uma delas foi a análise de 25.799 ações por improbidade, corrupção e lavagem que tramitavam entre 2010 e 2011. O trabalho mostrou que a Justiça deixou prescrever 2.918 ações nesse período. Como esse número é alto, sinalizando pouco rigor no combate à corrupção – e, por tabela, impunidade –, a partir de 2003 o CNJ deu prioridade ao julgamento desses processos, impondo metas de produtividade aos tribunais. Mas, por várias razões, inclusive sujeição a pressões políticas, muitas das cortes ainda estão longe de cumpri-las. Pesquisas como a realizada pela ABJ deixam claro que os tribunais têm de se empenhar ainda mais para fazer o que o CNJ lhes determina, em matéria de moralização da administração pública.