26/08/2017 – Ministério da Cultura dispensa propostas mais baratas e fecha licitação por preço 616% superior
Uol
Aiuri Rebello
O Ministério da Cultura desclassificou quatro empresas em uma licitação e, no lugar, contratou outra mais mal colocada no mesmo certame por R$ 28 milhões a mais que a melhor proposta –um valor 616% mais caro. Os serviços previstos envolvem armazenamento, classificação e cadastramento de documentos (veja a descrição completa mais abaixo).
O ministério afirma que não houve nenhuma irregularidade e que seguiu rigorosamente as regras do edital (leia mais abaixo).
A empresa vencedora da licitação cobrará quase R$ 33 milhões pelos serviços. As concorrentes desclassificadas apresentaram orçamento de R$ 4,6 milhões, R$ 7,6 milhões, R$ 8,5 milhões e R$ 27,1 milhões.
Entre os motivos apresentados para as desclassificações estão a insuficiência de experiência nos currículos de arquivistas e bibliotecários, assim como questionamentos em relação aos atestados de capacidade técnica apresentados pelas desclassificadas.
As empresas concorrentes
A escolhida pelo ministério, “OTC.DOC Organização, Tecnologia e Custódia de Documentos”, ficou em quinto lugar na licitação, com um valor oferecido no pregão eletrônico de R$ 32.952.400.
A empresa vencedora da etapa de lances na licitação, “Cooperativa de Trabalho Nacional dos Bibliotecários”, cobrava R$ 4.600.000 pelo mesmo serviço –de acordo com edital, para “contratação de empresa especializada na prestação de serviços, em acervo Bibliográfico e Arquivístico”–, mas não apresentou a documentação necessária a tempo e foi desclassificada no pregão eletrônico.
Foi então a vez da segunda colocada, “RedexCorp Produção e Locação”, ir para a fase de habilitação para o contrato que prevê tratamento, transferência ordenada, elaboração de instrumentos de gestão do acervo e armazenamento de documentos do ministério.
A empresa apresentou proposta de R$ 7.640.010 pelo serviço, mas foi desclassificada por não ter comprovado, da forma prevista no edital, a experiência do bibliotecário e do arquivista para realizar o serviço, assim como por seus atestados de capacidade técnica, fornecidos por outros clientes da empresa, não terem sido aceitos ou considerados dentro das regras.
A terceira colocada, “TCI BPO – Tecnologia, Conhecimento e Informação S/A”, ofereceu o serviço por R$ 8.451.400, mas foi desclassificada pelos mesmos motivos da segunda: os currículos de arquivista e bibliotecário, além de problemas nos atestados de capacidade técnica –em nota ao UOL, o ministério diz que os documentos apresentados por esta empresa “foram declarados inidôneos” [pela comissão licitatória] e que seriam encaminhados à Polícia Federal para análise (leia mais abaixo).
Com uma proposta de R$ 27.098.950, foi a vez da quarta colocada, a “PA Arquivos”, ser desclassificada praticamente da mesma forma.
O Ministério da Cultura chegou, então, à contratada por quase R$ 33 milhões, um valor 616% maior que a melhor proposta apresentada. O pregão eletrônico começou no dia 12 de julho e a escolha da vencedora no certame foi anunciada no dia 18 de julho. O resultado foi homologado no dia 11 de agosto. O aviso da licitação e o registro de preços haviam sido publicados no “Diário Oficial da União” no dia 30 de junho.
Duas das quatro eliminadas entraram com recurso
Inconformadas com o resultado do pregão eletrônico, responsáveis por duas das quatro fornecedoras desclassificadas entraram com recurso administrativo. Os casos foram julgados internamente e, cerca de duas semanas depois, saiu resultado negando os pedidos de revisão.
“É censurável, data vênia, a decisão prolatada por esta ilustre Comissão Permanente de Licitação (…), desrespeitando assim seu compromisso com o instrumento legal que rege esta modalidade de licitação”, afirma a PA Arquivos (originalmente, a quarta colocada) em seu recurso. “Pelas razões de recurso ora apresentadas manifesta, a empresa licitante, seu inconformismo em face da sua desclassificação por motivo secundário, enquanto premia como vencedora uma empresa cuja responsabilidade esta restrita a sua condição de EIRELI [empresa individual] como definido no seu cadastro perante os órgãos públicos de controle. Contesta ainda que uma Empresa Individual possa responsabilizar-se pela execução financeira de um contrato dessa magnitude.”
Em sua arguição, a TCI BPO (originalmente terceira colocada, mas por sua vez acusada pelo Ministério da Cultura de fornecer atestados falsos) chega a acusar o pregoeiro ou a comissão de licitação de ter direcionado a licitação ou favorecido a empresa ganhadora e pede correção do resultado. “(…) em atenção ao equivocado julgamento que inabilitou a recorrente, apresentamos a minuciosa demonstração de cumprimento aos requisitos de habilitação, aparentemente ignorados, com indícios que favorecem um ou outro proponente”, afirma a empresa.
“A administração, em constantes equívocos na análise da documentação técnica apresentada, demonstra a ausência de competência e conhecimento técnico para avaliação dos atestados. Isto porque foram apresentados 14 atestados, que ultrapassam as quantidades e especificações contidas no referido processo”, continua a empresa em sua argumentação, que foi negada pelo Ministério da Cultura.
Um dos pontos do processo colocados em dúvida nos recursos foi que, em meio à análise de documentos da terceira colocada, no último dia de pregão eletrônico, o pregoeiro mandou uma mensagem na tela de conversação do certame (a que todos os concorrentes têm acesso) pedindo os documentos para habilitação da OTC –que acabou ganhando a licitação, mas, naquele momento, não era ainda nem analisada.
Em 2016, também foi a OTC que ganhou licitação do Ministério da Cultura para fazer praticamente o mesmo serviço, mas em quantidades bem menores. Na ocasião, três fornecedores que ofereciam propostas mais baratas foram desclassificados na fase de habilitação (que é quando os documentos são analisados) e a OTC foi escolhida. Na época, o preço contratado foi R$ 4 milhões mais caro que a melhor proposta.
Ministério estava disposto a pagar R$ 43 milhões
No preço de referência –que é definido pelo licitante após pesquisa de mercado–, o Ministério da Cultura informou que estava disposto a gastar até R$ 43 milhões nesta contratação. Em contato com a assessoria de imprensa, a reportagem pediu acesso aos orçamentos feitos pela pasta da Cultura para estabelecer a referência de R$ 43 milhões, reiteradas vezes, mas a informação não foi fornecida.
Empresa escolhida na licitação, a OTC é uma empresa individual com capital social de R$ 200 mil. Ao todo, a OTC possui 21 contratos ativos com diversos entes do governo federal, incluindo o Ministério da Cultura, que somam o montante de R$ 35.456.787. Os dados são do Portal da Transparência do governo federal.
A empresa está cadastrada no Cnae (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) do governo federal como um comércio varejista de móveis, mas os serviços autorizados são da “Linha de Fornecimento 2167: Informática – Digitação Documento”. Sua situação é regular e ativa para contratar com a União. O UOL tentou contato por telefone com a OTC, mas não obteve sucesso.
O UOL esteve na sede da empresa, em Brasília, de acordo com o endereço cadastrado da empresa como fornecedora do governo federal. O local fica em uma sala comercial conjugada com uma espécie de garagem ou galpão, no andar térreo de um pequeno prédio misto residencial e comercial. O conjunto ao lado é ocupado por um escritório de contabilidade. Na ocasião, uma funcionária que dava expediente no local confirmou que ali funcionava a OTC.
Sergio Dutti/UOL
Empresa contratada pelo Ministério da Cultura por quase R$ 33 milhões funciona nesse prédio, ao lado de escritório de contabilidade, em Brasília (25.ago.2017)
Licitação também atende Incra e Ministério do Trabalho
O Ministério da Cultura, por meio de sua assessoria de imprensa, informa que a licitação contempla também os acervos documentais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e do Ministério do Trabalho e foi feita de maneira conjunta para economizar recursos públicos. Apesar disso, a responsabilidade pelo resultado e condução do certame é do Ministério da Cultura.
“O Ministério da Cultura celebrou contrato no valor de R$ 5.447.000, que será utilizado sob demanda, podendo ser ou não utilizado em sua totalidade. O recurso contempla a demanda imediata do órgão, a saber: R$ 2.125.000 para o trabalho a ser realizado para o tratamento do acervo bibliográfico, localizado no Porto Maravilha, e R$ 3 milhões para o acervo processual do ministério”, afirma a nota enviada ao UOL. A diferença de cerca de R$ 28 milhões, portanto, seria referente à parte do Incra e do Ministério do Trabalho na aquisição. O Ministério da Cultura assinou sua parte no contrato em 18 de agosto.
Os serviços previstos são: transferência ordenada dos documentos para as instalações da contratada; tratamento documental bibliográfico contemplando a seleção, análise, higienização e acondicionamento; guarda documental, contemplando o acondicionamento e armazenamento; atendimento de rotinas de consultas e disponibilização de documentos; tratamento documental arquivístico, contemplando a triagem, análise, higienização, classificação e cadastramento, obedecendo ao Código de Classificação de Documentos de Arquivo, bem como a revisão, adequação, atualização e/ou elaboração do Código de Classificação de Documentos de Arquivo e Tabela de Temporalidade de Documentos atividade-fim.
“A administração pública deve prezar pela economicidade assegurando a qualidade por meio de uma descrição detalhada do objeto, bem como pela exigência de certos requisitos de qualificação técnica como condição de habilitação dos licitantes participantes, e que estes formalmente preencham todos os requisitos de habilitação técnica para contratação”, completa a nota enviada pela assessoria.
O UOL perguntou se, em nome da economicidade de dinheiro público em tempos de crise, não era possível compor uma solução para os problemas na documentação de nenhuma das quatro empresas desclassificadas, o que geraria uma economia de R$ 28 milhões a R$ 5,8 milhões (dependendo da proposta). Para este ponto não houve resposta.
Leia na íntegra a resposta da assessoria de imprensa do Ministério da Cultura:
NOTA DE ESCLARECIMENTO – PREGÃO 15/2017, referente a serviços de tratamento de acervos arquivísticos e bibliográficos
Ao longo dos últimos 32 anos, o Ministério da Cultura (MinC) acumulou 14 mil metros lineares de documentos e processos impressos –que correspondem a 2.500 metros quadrados de área útil. Este material precisa ser devidamente tratado e armazenado, não só para referência interna, mas também para cumprir as exigências da Lei de Acesso à Informação, que garante ao público o acesso aos documentos.
Com esta finalidade, o MinC já havia firmado um contrato em 2016 para execução do serviço –já exaurido– e agora, no último dia 18 de agosto de 2017, um novo contrato foi assinado.
As empresas que realizam este serviço são contratadas por meio de um processo de licitação. O procedimento adotado foi na modalidade de Sistema de Registro de Preços – SPR, via Pregão Eletrônico, e devem atender a três principais exigências conforme determina a Lei 8.666/1993 e a Lei 10.520/2002: qualificação técnica, jurídica e menor preço e pelo Decreto No 7.892, de 23 de janeiro de 2013.
No Pregão Eletrônico realizado em 12 de julho de 2017, o MinC também considerou necessário inserir no processo o tratamento do acervo bibliográfico do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, que atualmente está depositado no prédio anexo à Fundação Biblioteca Nacional (FBN), vinculada ao ministério, e localizada no Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. O acervo corresponde a a cerca de 500 mil livros, que aguardam para ser distribuídos às bibliotecas públicas do país. Para tanto, precisam ser identificados, higienizados e acondicionados. O acervo foi formado a partir de exemplares doados por projetos apoiados pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, que estabelece o repasse de parte da tiragem dos livros para bibliotecas públicas, e da Lei do Depósito Legal, que determina que a cada livro produzido no país, um deve ser enviado à Biblioteca Nacional. Desde 2014, a distribuição passou a ser feita diretamente pelos beneficiários da lei, mas ainda há esse acervo sob responsabilidade do MinC, ao qual está vinculado o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas.
Como consta da Ata de Registro de Preços no 26/2017, participaram do Pregão de 12 de julho três órgãos do Poder Executivo Federal conjuntamente: Ministério da Cultura, Incra e Ministério do Trabalho, que também precisam de serviços de tratamento arquivístico e bibliográfico.
O Ministério da Cultura seguiu todos os requisitos e fases estabelecidos pelas leis 8.666/1993 e 10.520/2002 no Pregão 15/2017. Todo o processo licitatório foi acompanhado pela Consultoria Jurídica do MinC, composta por advogados da União. O resultado da licitação leva em conta não apenas o preço ofertado pelos participantes, como também os requisitos legais e constitucionais.
Para o cadastro de serviços, chegou-se ao valor de referência inicial de R$ 43.796.050, baseado em pesquisa de preços praticados no mercado e consulta ao Portal ComprasNet. Porém, após a etapa de lances da licitação, a Ata de Registro de Preço no 26/2017 ficou em R$ 32.952.400. O Ministério da Cultura celebrou contrato no valor de R$ 5.447.000, que será utilizado sob demanda, podendo ser ou não utilizado em sua totalidade. O recurso contempla a demanda imediata do órgão, a saber: R$ 2.125.000 para o trabalho a ser realizado para o tratamento do acervo bibliográfico, localizado no Porto Maravilha, e R$ 3 milhões para o acervo processual do MinC.
Serão realizados cinco serviços previstos no edital: transferência ordenada dos documentos para as instalações da contratada; tratamento documental bibliográfico contemplando a seleção, análise, higienização e acondicionamento; guarda documental, contemplando o acondicionamento e armazenamento; atendimento de rotinas de consultas e disponibilização de documentos; tratamento documental arquivístico, contemplando a triagem, análise, higienização, classificação e cadastramento, obedecendo ao Código de Classificação de Documentos de Arquivo, bem como a revisão, adequação, atualização e/ou elaboração do Código de Classificação de Documentos de Arquivo e Tabela de Temporalidade de Documentos atividade-fim.
A OTC.DOC foi a empresa selecionada porque as quatro primeiras empresas na classificação das proponentes no Pregão 15/2017 foram inabilitadas devido a questões jurídicas. Uma delas, inclusive, a TCI BPO, teve documentos declarados inidôneos. Cumprindo dever de ofício, os documentos são encaminhados à Polícia Federal e aos demais órgãos competentes para apurarem suspeita de cometimento de crime de falsidade.
Segue abaixo o detalhamento dos motivos da desclassificação das empresas:
• Primeira colocada – Cooperativa de Trabalho Nacional do Bibliotecários E.P.: não enviou os documentos para comprovação dos requisitos de habilitação.
• Segunda colocada – REDXCORP: os documentos apresentados não atenderam a itens exigidos pelo edital, como a comprovação de experiência mínima de dois anos, a comprovação de que a empresa prestou serviços de tratamento arquivístico de acervo documental e de transferência ordenada de documentos, nos termos do edital; entre outros.
• Terceira colocada – TCI BPO: não comprovou que prestou serviços de tratamento arquivístico de acervo documental, de transferência ordenada de documentos, de elaboração de instrumentos de gestão documental, nos termos do edital. Também não demonstrou que realizou treinamento dos servidores das instituições contratantes após a conclusão dos trabalhos de gestão documental. Além disso, a empresa não comprovou a experiência técnica do profissional que seria responsável pela atividade.
• Quarta colocada – PA Arquivos: não comprovou a prestação de serviços de transferência ordenada de documentos, nem a execução de serviços de elaboração de instrumentos de gestão documental, não apresentou documentos comprobatórios da capacidade técnica do profissional com formação em arquivologia. Além disso, não enviou certidão negativa de falência ou de recuperação judicial.
A OTC.DOC, empresa que ficou em quinto lugar na classificação das proponentes no Pregão 15/2017, apresentou os documentos solicitados e, após minuciosa verificação, foi habilitada nos requisitos técnicos, sendo a vencedora do certame pelo atendimento das exigências do edital.
Apesar de a OTC.DOC já prestar serviços relacionado a tratamento arquivístico para o Ministério da Cultura desde 2016, a Lei 8.666/1993 não proíbe a participação em processos licitatórios de empresas já contratadas por órgãos públicos quando estas comprovam a capacidade técnica e documental para a prestação do serviço licitado.
A administração pública deve prezar pela economicidade assegurando a qualidade por meio de uma descrição detalhada do objeto, bem como pela exigência de certos requisitos de qualificação técnica como condição de habilitação dos licitantes participantes, e que estes formalmente preencham todos os requisitos de habilitação técnica para contratação.
O processo licitatório pode ser acessado neste link:
http://www.cultura.gov.br/licitacoes/em-andamento (http://www.cultura.gov.br/licitacoes/em-andamento). Para ter acesso às propostas das empresas que participaram do pregão, entre em contato com o SIC (Sistema de Informação ao Cidadão): http://www.cultura.gov.br/sic (http://www.cultura.gov.br/sic)
Assessoria de Comunicação Social