26/12/2011 – O protecionismo brasileiro
O Estado de S. Paulo
Vítima frequente das medidas protecionistas adotadas pela Argentina, o Brasil tornou-se mais protecionista que sua principal parceira no Mercosul. É hoje o mais fechado dos 20 países mais desenvolvidos do mundo (G-20) e dos Brics (Rússia, Índia, China, África do Sul e Brasil). Entre as 75 maiores economias do mundo, ocupa a 68.ª posição entre os que mais favorecem o comércio externo.
Não se trata de classificação feita por algum país que tenha tido problemas comerciais com o Brasil, mas de uma pesquisa de uma organização independente, a Câmara de Comércio Internacional (CCI), que reúne milhares de empresas de comércio externo e associações comerciais de 120 países. Por coincidência, seu relatório sobre o protecionismo – principal tema da reunião ministerial da OMC realizada há dias em Genebra – foi apresentado no mesmo dia em que, no Brasil, entrou em vigor o decreto que eleva em 30 pontos porcentuais o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis que não comprovem o mínimo de 65% de conteúdo nacional.
O aumento do IPI para carros com menor índice de componentes nacionais, no entanto, é apenas a mais recente de uma série de decisões que o governo Dilma Rousseff vem adotando, alegando necessidade de proteção do produtor nacional contra a concorrência externa predatória. O governo tem afirmado que o aumento do IPI e outras medidas tomadas com o mesmo objetivo estão de acordo com as regras do comércio internacional.
O crescente protecionismo brasileiro – explícito ou implícito – ainda não está sendo questionado formalmente. A inexistência de queixas formais tem sido invocada pelo governo como demonstração de que está agindo com correção no campo comercial. “Nós estamos seguindo as regras e não há nenhum processo aberto contra nós”, disse o ministro Fernando Pimentel, em Genebra, onde participou da reunião da OMC. Naquele momento, porém, o aumento do IPI não tinha entrado em vigor. Mas já são vários os itens apontados pela OMC e parceiros comerciais como característicos de uma guinada protecionista brasileira. Há estudos que mostram o Brasil como o país que mais adotou medidas protecionistas neste ano.
No fim de outubro, a OMC enviou aos países do G-20 relatório no qual mostra que a Índia, o Brasil e a Rússia foram os membros do bloco que mais impuseram medidas de restrição ao comércio externo nos últimos meses – embora, como ressalva o relatório, esses países tenham também adotado medidas de liberalização do comércio.
Relatório da União Europeia (UE), por sua vez, apontou a Argentina e o Brasil como os países que mais lançaram mão de medidas protecionistas. Os europeus afirmam que o Brasil acelerou as medidas de proteção para não ficar atrás de seu vizinho, “com medidas inquietantes que impactam o comércio e o investimento”.
Entre as medidas do governo brasileiro consideradas preocupantes nos relatórios internacionais estão a suspensão da concessão de licença automática para importações, a adoção da regra de preferência nacional nas licitações por órgãos públicos e empresas estatais, os subsídios ao crédito para exportadores e a elevação de tarifas. A UE, em particular, apontou o risco de, por iniciativa brasileira, o Mercosul começar a elevar a Tarifa Externa Comum do grupo para proteger o mercado regional, no que poderia se caracterizar como uma tendência perigosa para o futuro do comércio com o bloco.
Um dos temas tratados na última cúpula do Mercosul, em Montevidéu, foi justamente a ampliação da lista de produtos aos quais será aplicada a tarifa máxima, de 35%, como “medida de defesa comercial, em um momento em que estamos sendo invadidos pela competição estrangeira”, na explicação do ministro Guido Mantega.
Para um país que, nos últimos anos, se valeu das regras internacionais para assegurar acesso a mercados, a guinada protecionista pode corroer sua credibilidade no sistema internacional de comércio.