27/05/2021 – Operação investiga empresas por fraudes em licitações em nove municípios do RS
Gaucha GZH
Cid Martins e Eduardo Matos
No total, há contratos suspeitos com 50 prefeituras. Três mandados de prisão e 17 de busca e apreensão estão sendo cumpridos
O Ministério Público (MP), em parceria com Polícia Civil, Brigada Militar e Receita Estadual, realizou operação nesta quinta-feira (27) contra duas empresas, de variados ramos de atividades, suspeitas de fraudar licitações em 50 municípios desde 2018 — sendo que, em nove deles, já houve a confirmação de irregularidades. Pela manhã, foram cumpridos três mandados de prisão e 17 de busca e apreensão.
De acordo com o promotor Mauro Rockenbach, diretor da Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre, foram presas uma ex-funcionária da Secretaria da Administração de Dona Francisca, na Região Central, e o dono e um gerente das duas empresas investigadas, ambos em Frederico Westphalen, no norte gaúcho — eles não tiveram os nomes divulgados.
Os mandados foram cumpridos em residências, em endereços de empreendimentos comerciais e na prefeitura do município de Rio Pardo. São locais onde os suspeitos moram, sedes de empresas e órgãos públicos que tiveram serviços prestados pelas duas firmas investigadas.
Além de Rio Pardo, Dona Francisca e Frederico Westphalen, as ordens judiciais foram cumpridas em Erval Seco, Caiçara e Pontão, no Norte, e em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo.
Os crimes apurados são de fraude em processos licitatórios, organização criminosa, lavagem de dinheiro, peculato — quando um servidor público obtém vantagem ilícita — e elevação arbitrária de valores, devido a preços superfaturados.
Contratos
Segundo Rockenbach, a investigação segue em andamento, já que foram confirmadas até agora fraudes em licitações referentes a nove municípios. Os próximos passos serão averiguar possíveis ilegalidades em contratos de outras 41 prefeituras do Estado.
Atualmente, as duas empresas investigadas participam de 62 licitações no Rio Grande do Sul, de um total de 180 processos. A suspeita é de que elas formem um cartel envolvendo, ao todo, 19 firmas.
— Investigamos certames em 50 prefeituras, tanto é que nosso objetivo posterior é analisar processo a processo, em cada uma delas, envolvendo estas empresas. Mas em nove já sabemos que houve fraudes. Os serviços são dos mais variados possíveis e, no contrato social destas firmas, foi especificado isso justamente para participar do maior número de licitações possíveis — explica o promotor.
As empresas são dos ramos de materiais de construção, escritório, alimentício e até para realização de eventos.
Além dos mandados judiciais de prisão e de busca, o MP obteve da Justiça a proibição por parte das investigadas de contratar serviços com União, Estados e municípios. Se em uma das cidades for comprovado que as duas empresas suspeitas participaram diretamente do processo licitatório, a promotoria entende que o certame deve ser anulado.
Rockenbach diz ainda que, dos contratos com nove prefeituras em que houve fraude comprovada, as empresas lucraram R$ 1,7 milhão em sete dos municípios. Além de Dona Francisca e Rio Pardo, GZH apurou que houve contratos já com comprovação de irregularidades por parte das empresas em Pontão, Frederico Westphalen, Vista Alegre, Seberi, Novo Tiradentes e Caiçara, no Norte, e Vera Cruz, no Vale do Rio Pardo.
Dona Francisca e Rio Pardo
Segundo o MP, a operação foi deflagrada porque as situações mais graves entre os 50 municípios que tiveram contratos com estas empresas eram justamente Dona Francisca e Rio Pardo.
No primeiro município, a investigação é decorrente de outra, de 2019, quando o MP apurou irregularidades na contratação de professores, em licitações e pagamento de horas extras, além do desvio de doações para pessoas carentes. A Justiça decretou o afastamento do procurador jurídico da prefeitura, de dois secretários e da servidora, que não está mais no Executivo e que, nesta quinta-feira, foi presa.
À época, ela era, inclusive, suplente de vereadora. Mesmo após esta investigação, a mulher — que não teve o nome divulgado — teria passado a facilitar as fraudes e a direcionar as licitações para estas duas empresas e para uma terceira, criada por uma ex-secretária municipal afastada do cargo em 2019.
Já em Rio Pardo, onde houve cumprimento de mandado judicial na prefeitura, o MP diz que a investigação é relativa à gestão anterior. Mesmo depois da Operação Camilo, da Polícia Federal — que investigou há um ano desvios de recursos públicos na área da saúde envolvendo servidores, inclusive com prisões, sendo uma delas do ex-prefeito —, Rockenbach diz que as empresas não foram alvo na época e seguiram atuando de forma ilegal. Um dos investigados recebia dinheiro de serviços superfaturados no município e depositava na conta de laranjas.
— Temos provas de que um empresário pedia mais contas para o suspeito porque já havia depositado muito dinheiro, e um grande valor em uma mesma conta iria chamar a atenção das autoridades — ressalta Rockenbach.
Empresas investigadas
Apesar de o MP não estar divulgando nomes, uma das empresas investigadas deu nome à Operação Aliança, desencadeada nesta quinta-feira. Trata-se da Alliance Comércio de Materiais LTDA, de Frederico Westphalen. A outra, na mesma cidade, é a Comercial GD.
As duas empresas investigadas têm praticamente o mesmo endereço, na Rua Cincinato Peretti, no Centro, mas ficam em salas separadas. A Alliance tem apenas um telefone de contato, e a Comercial GD tem três, mas um deles é o mesmo da primeira.
Contrapontos
O que dizem as prefeituras:
Seberi – O procurador do município de Seberi, Jan Carlos Novakowski, diz que a prefeitura não recebeu qualquer notificação ou comunicado, além de não ter sido alvo de mandado. Ele também não tem como afirmar se as empresas investigadas participaram de licitação na cidade porque não tem qualquer tipo de informação oficial.
Dona Francisca – O prefeito de Dona Francisca, Olavo Cassol (MDB), informa que esses contratos, assim como a ex-funcionária pública, são questões referentes aos responsáveis pelo governo anterior no município, portanto, sem qualquer tipo de envolvimento com a atual gestão.
Rio Pardo – Em nota, o prefeito Edivilson Meurer Brum (MDB) destaca: “Seguimos firmes no nosso trabalho de combate à corrupção e a tudo e todos que colocaram nossa cidade no estado que está. Desde cedo abrimos as portas da Prefeitura de Rio Pardo, bem como de todas as secretarias, para receber o Ministério Público e contribuir para que o trabalho deste órgão tão sério pudesse continuar. Há um ano Rio Pardo recebia a Polícia Federal que levava preso o ex-prefeito. A nossa gestão, que assumiu em 01 de janeiro de 2021, segue firme no combate ao absurdo que foi feito aqui na gestão passada. Eu sou o atual prefeito de Rio Pardo e juntamente com nossa equipe trabalhamos sob o seguinte lema: trabalho, transparência e transformação. Por isso, pedimos e damos o nosso completo apoio aos órgãos da justiça no combate da corrupção instaurada aqui nos últimos anos. Parabéns ao trabalho do Ministério Público do Rio Grande do Sul, bem como da promotoria da nossa cidade. Seguiremos firmes no combate a corrupção e na busca incansável de recolocar Rio Pardo no caminho certo.”
Vera Cruz – O setor jurídico da prefeitura de Vera Cruz informa que o Executivo municipal é vítima de uma das empresas suspeitas.
Pontão – GZH, por meio de contato telefônico, conversou com uma servidora de Pontão. A funcionária apenas destaca que o responsável pelo Setor de Licitações não está trabalhando nos últimos dias por estar hospitalizado.
Vista Alegre – A prefeitura de Vista Alegre, por meio de contato telefônico feito com uma servidora responsável pelo Setor de Licitações, destaca que a empresa Alliance tem um contrato sobre fornecimento de gêneros alimentícios. Contudo, o Executivo informa que irá averiguar a situação porque não tem informação de qualquer tipo de irregularidade.
Novo Tiradentes – A Secretaria de Administração de Novo Tiradentes, também por meio de contato telefônico, repassou a ligação para o Setor de Licitações. O funcionário responsável confirma que a Alliance tem um contrato feito neste ano para o fornecimento de gêneros alimentícios, mas que não ocorre qualquer tipo de irregularidade, assim como o serviço está sendo realizado normalmente.
Frederico Westphalen – GZH entrou em contato com o Setor Jurídico de Frederico Westphalen e com o prefeito José Alberto Panosso (MDB). A informação inicial é de que não há qualquer tipo de irregularidade, assim como não houve mandados na sede da prefeitura, e que a situação será averiguada. Inclusive, todos os servidores têm que assinar um termo anticorrupção. Uma nota sobre os fatos será divulgada para a imprensa ainda nesta quinta-feira.
Caiçara – GZH fez mais de cinco ligações telefônicas pela manhã, em horários diferentes, e não conseguiu contato.
O que dizem as empresas:
Em Frederico Westphalen, GZH não conseguiu contato com os dois presos. Além de pedir contato de advogados ao MP, a reportagem ligou para a sede das empresas e ninguém atendeu.
GZH entrou em contato também com a assessoria de contabilidade da Alliance e da Comercial GD em busca de contraponto por parte dos responsáveis, mas ainda aguarda por retorno.