28/06 – Blindados chegam atrasados para a Copa causam polêmica por licitações suspeitas
Jornal do Brasil
Cláudia Freitas
Dois processos licitatórios, de 2012 e 2013, citam a compra dos veículos da Paramount
A chegada de oito veículos táticos blindados para o transporte de tropas das polícias civil e militar no Rio de Janeiro, no dia 21 de junho, tem causado polêmica nos corredores da Câmara e da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O vereador Marcio Garcia (PR-RJ) e o deputado Geraldo Pudim (PR-RJ) estão questionando a legitimidade do Pregão Internacional feito pela Secretaria Estadual da Casa Civil para a compra dos blindados, no ano passado, que teve como vencedora a empresa sul-africana Paramount Logistics Corporation, e eles devem recorrer ao Ministério Público Estadual (MPE), caso o governo não esclareça os motivos que levaram a realização da licitação.
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“Pode ter acontecido uma manipulação nesse Pregão Internacional para afastar as possibilidade de participação de empresas brasileiras e seleção de projetos nacionais, como o Vespa 2, que seria uma alternativa muito mais barata para o país.”, disse o vereador. A referencia de Garcia diz respeito a um projeto de fabricação de nova geração de veículos blindados pelo Exército Brasileiro, apelidado de Viatura Especial de Patrulhamento (Vespa 2), indicados para uso pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e pela Polícia Militar, em substituição aos Caveirões, e que foi amplamente divulgado pelas forças armadas no ano de 2011.
Seseg e fabricados pela empresa sul-africana
Na época, o Centro de Tecnologia do Exército (CTEx) publicou que o protótipo foi idealizado pelo então major Paulo Aguiar, era um veículo mais robusto e ágil, além de atender todas as especificações da PM e ser destinado a operações em favelas da cidade. O projeto, ainda com base nas reportagens, foi financiado pela Faperj (Financiadora de Estudos e Projetos), a pedido do governo do Rio e já havia sido testado na Restinga da Marambaia. Pelas especificações do CTEx, o veículo tinha blindagem para fuzis, seteiras (buracos para pôr o cano das armas e disparar), proteção do cofre do motor, capacidade para 10 pessoas, tendo como novidade a pestana (capa de aço no parabrisa) com acionamento interno e maior espaço interno, além de ar-condicionado, sirene e tração nas quatro rodas, para facilitar a circulação em aclives e declives e garante a aderência, evitando derrapagem. O peso do veículo é de 7,2 toneladas e ele atinge 100 km/h.
“É uma solução customizada e ouvi bastante o Bope, que participou dos requisitos. É um projeto para atender a baixo custo e usa chassi e motor a diesel da Volks. Temos capacidade de fazer, preço interessante, Não será preciso importar”, contou o então major Paulo Aguiar, que atualmente ocupa o posto de tenente-coronel no CTEx. O oficial revelou também que o projeto foi custeado em R$ 430 mil. Procurado pelo Jornal do Brasil para comentar sobre a continuidade do projeto pelo CTEx nos últimos três anos, o tenente-coronel Aguiar disse que não tinha permissão para dar entrevista sobre o assunto sem a permissão da Assessoria de Comunicação do Centro. O JB tentou inúmeras vezes contato com a Comunicação do CTEx, sem sucesso. O CTEx é responsável pelas principais pesquisa e desenvolvimento de projetos tecnológicos do Exército e possui um quadro de “professores Pardais” para elaborar novos produtos de Defesa para o país.
a frota chega quase na metade da Copa
O vereador Marcio Garcia citou ainda uma outra suposta licitação que aconteceu no ano de 2012, pela Secretaria Segurança Pública do Rio (Seseg), para compra de blindados e que também foi amplamente divulgado pela imprensa. As reportagens desse período destacam que os blindados viriam da África do Sul, produzidos pela empresa Paramount, já batizados de Maverick e haviam superado modelos como o russo Rosboron Tigre, o francês Panhard, o sul-africano Gila, o israelense Sand Cat e o brasileiro Vespa. Segundo as informações publicadas naquele ano, o governo do Rio havia adquirido, pelo menos, 10 unidades para substituir a frota de blindados.
“Por que essa licitação foi abandonada pela Secretaria de Segurança? Ou o que aconteceu com esse processo? O governo precisa esclarecer essas questões.”, disse Garcia. Na sua avaliação, os fatos apontam para indícios de irregularidade e uma “manipulação” para tirar dos processos licitatórios os projetos nacionais. “Eles [governo do Estado] colocam exigências, como as do combustível, por exemplo, para dificultar e até impossibilitar a participação das empresas nacionais. O Exército não conseguiria fazer determinadas adaptações que foram exigidas de última hora a tempo de participar da concorrência”, destacou o vereador.
Garcia disse que está aguardando esclarecimentos do governo do Estado sobre a questão, caso não obtenha retorno, vai apelar para o MPE com um pedido de investigação das licitações envolvendo os blindados. Segundo o vereador, um “sinal amarelo” acendeu logo que os blindados chegaram ao Rio e ele tomou conhecimento da licitação de 2012 e do projeto Vespa 2. “Em todos os casos os veículos táticos foram licitados com a mesma justificativa, serem utilizados nos megaeventos, sendo que a frota chega quase na metade da Copa no Brasil”, comentou o vereador. “Se podemos ter um produto nacional bem mais barato e dentro das especificações da própria Seseg, qual o motivo de buscar uma empresa estrangeira? Isso causa muita estranheza”, completou. Garcia montou uma equipe de pesquisa para estudar os preços de veículos semelhantes ao Maverick em outros países, assim como as regras dos processos licitatórios.
Compartilhando da mesma opinião de Garcia, o deputado estadual Geraldo Pudim (PR) considera que os episódios envolvendo os blindados e os processos de licitação demonstram a “incompetência e a certeza da impunidade” da Secretaria de Segurança Pública. Para Pudim, se existe um veículo que atende às demandas da segurança com tecnologia nacional, não há justificativas para se fazer uma licitação em nível internacional, quando favorece uma empresa sul-africana, que não conseguiu atender aos prazos estabelecidos para a entrega dos veículos, que deveriam servir aos eventos da vinda do Papa Francisco, a Copa das Confederações e a Copa do Mundo. “Os veículos só chegam no dia 21, já com duas semanas de Copa. Caracteriza a incompetência do governo. Não é a primeira vez que isso acontece.”, reclamou o deputado.
Caracteriza a incompetência do governo. Não é a primeira vez que isso acontece.
Pudim relembrou que há poucos meses fez uma denúncia crime envolvendo a compra de viaturas para a PM pela Seseg, em um caso que na Bahia resultou em cadeia para diretores da empresa Julio Simões, os mesmos que assinaram o contrato com o secretário José Mariano Beltrame. “Mas aqui no Rio até agora não deu em nada.”, reclamou o parlamentar. Ele ressaltou que a licitação das viaturas foi marcada pelo superfaturamento, o que deve chamar a atenção para outros processos licitatórios semelhantes. “Ao mesmo tempo que isso acontece, vemos um Batalhão de Choque andando de trem, recebendo comida estragada, policiais dormindo no chão, UPPs funcionando em latões. É um processo vergonhoso que mostra a falta de impunidade e incompetência do governo. E ficamos sabendo de mais policiais mortos.”, disse Pudim.
O deputado revelou que se sente tolido do seu dever de fiscalização pela pressão da maioria esmagadora do governo na Alerj. Porém, vai recorrer à Lei de Transparência e pedir informações administrativas e técnicas do governo sobre a licitação dos blindados em 2012 e 2013, além dos motivos da tecnologia nacional não ter sido utilizada. Segundo ele, se não houver uma justificativa satisfatória, vai optar mais uma vez pela judicialização da questão. “Já que quando apresentamos questões dessa natureza na Alerj somos derrotados, vamos recorrer à Justiça”, informou.
Os blindados fabricados pela sul-africana Paramount chegaram ao Rio de Janeiro no dia 21 de junho. O Pregão Internacional aconteceu em janeiro do ano passado e o seu edital apresenta como justificativa para a compra dos equipamentos táticos, no valor de R$ 22,3 milhões, a garantia da segurança pública em megaeventos que já foram sediados na cidade em 2013, como a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, que estava no seu décimo dia de realização no país quando os veículos chegaram ao Porto do Rio.
O Jornal do Brasil entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública para esclarecer as questões levantadas pelos parlamentares envolvendo a compra dos blindados e a não utilização da tecnologia nacional do Exército. Até o fechamento desta reportagem a Seseg ainda não havia retornado.
No início do ano, o Ministério Público do Estado ajuizou uma ação civil pública contra o Secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, pedindo o bloqueio de seus bens e a suspensão dos direitos políticos por oito anos. Na ação, o MP acusa Beltrame de improbidade administrativa com base em denúncias feitas pela 7ª Promotoria da Tutela Coletiva e pelo Tribunal de Contas do Estado. Segundo o TCE, há “claros indícios de superfaturamento de preços” em três contratos assinados pela Seseg com empresas do grupo Júlio Simões, para a compra e manutenção de viaturas policiais. O MP destaca no conteúdo da ação que foram apresentadas notas fiscais genéricas e relatórios sintéticos, além do pagamento por serviços não prestados.
As investigações do MP apontam para um superfaturamento na compra das viaturas. O Ministério Público também concluiu que durante quatro anos o governo efetuou pagamento mensal no valor de R$ 100 mil por um serviço que deveria ser prestado pela contratada, mas que não foi executado. Os contratos foram firmados pela Seseg com o grupo Júlio Simões no período de 2008 e 2009. As denúncias foram feitas ao MP pelo ex- Corregedor da Polícia Militar, coronel Paulo Ricardo Paúl, no ano de 2009. Paúl teve acesso ao conteúdo do contrato e afirma que as cláusulas garantiam uma negociação “casada”, ou seja, para compra e manutenção da frota da PM. “O comando da PM na época não aceitou esse acordo, então foi feito pela Secretaria de Segurança”, contou o coronel.
No início de junho, o MP ajuizou duas novas ações de improbidade administrativa pedindo a devolução de R$ 730 milhões aos cofres públicos por conta do escândalo da compra superfaturada de viaturas da PM, dessa vez acusando o ex-chefe da Casa Civil Regis Fichtner e o seu ex-chefe de gabinete Artur Bastos, que atualmente é conselheiro da Agetransp. A segunda ação pública acusa o ex-chefe do Estado Maior da PM Álvaro Garcia de participação no mesmo esquema. O MP afirma que eles assinaram contratos superfaturados com a empresa CS Brasil, do grupo Júlio Simões, e os valores pagos pelo estado do Rio é 347% maior que a média do mercado.
O coronel Paulo Ricardo Paúl, autor das denúncias contra Beltrame e Fischtner, também achou “estranho” o Pregão Internacional autorizado pela Secretaria da Casa Civil para a compra dos blindados, no ano passado. “Levando em conta o caso das viaturas da PM, há de se prestar muita atenção nessas novas adquisições. É muito estranho o governo do Estado optar por uma empresa estrangeira para fabricar um veículo quando o Exército já havia apresentado um protótipo que atendia às especificações da própria Seseg, e para atuar nas comunidades e durantes os eventos. Tem que ser investigado e esclarecido”, disse o coronel Paúl.
Em função das ações que tramitam pelo Tribunal de Justiça do Rio, tanto Beltrame quanto Fischtner continuam com os seus bens bloqueados, a pedido do MP, que também solicitou a perda dos cargos públicos de ambos.