28/09/2014 – E-mail indica favorecimento em licitação de órgão de SP
Folha de S. Paulo
Flávio Ferreira / Mario Cesar Carvalho
Mensagem aponta que Tejofran foi beneficiada pelo departamento de águas
Empresa investigada no cartel dos trens tentava contrato de piscinões, mas concorrência foi cancelada pelo governo
O chefe de um dos principais órgãos responsáveis pelo gerenciamento da crise de água no Estado atrasou e direcionou licitações para favorecer o grupo Tejofran, indica e-mail encontrado por autoridades federais em busca realizada na empresa.
A mensagem obtida em operação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) menciona Alceu Segamarchi Jr., o superintendente do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), órgão que faz a gestão dos sistemas de água no Estado de São Paulo.
É o terceiro e-mail descoberto pelo Cade que traz indícios de irregularidades no relacionamento entre executivos da Tejofran e integrantes do governo de Geraldo Alckmin (PSDB).
Outras duas mensagens achadas na busca –e reveladas pela Folha — apontam ação suspeita da Tejofran em relação ao DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). Ambas levaram à abertura de investigações pelo Ministério Público.
O e-mail sobre o DAEE foi escrito em 29 de maio de 2013 pela diretora da Tejofran Henriqueta Giolito Porto. Ela relata a seu irmão e diretor da Tejofran, Telmo Porto, reunião que teve com o superintendente do órgão.
Um dos temas do encontro foi a concorrência para a implantação de uma PPP (Parceria Público-Privada) para construção e manutenção de piscinões no Estado, cujo edital havia sido lançado em março de 2013 e tinha valor estimado de R$ 3,8 bilhões.
Segundo o e-mail, o superintendente do DAEE afirmou que deixou de realizar concorrências públicas para favorecer a Trail, empresa do grupo Tejofran que atua no setor de engenharia.
“[Segamarchi Jr.] Disse que está segurando outras licitações de gerenciamento só para nos ajudar… para dar [para] ver o resultado dos piscinões (que ele torce e acredita na Trail)”, escreveu a executiva da Tejofran.
De acordo com o contexto da mensagem, o dirigente público quis dizer que o resultado da licitação dos piscinões condicionaria o desfecho de outras concorrências.
Também propôs no negócio uma parceria da Trail com outra empresa de engenharia, a Enger, segundo o e-mail.
“Para o Alceu, o gerenciamento dos piscinões é o melhor dos gerenciamentos e, se a Trail não levar a PPP, levará o gerenciamento. Se ganharmos a PPP, levaremos outro gerenciamento (Baquirivu, Barragens, Água Limpa, etc. etc.). Falou em nos casar com a Enger”, relata Henriqueta na mensagem.
Cinco meses depois do envio do e-mail, o DAEE classificou o consórcio integrado pela Trail e pela empresa Técnica, do grupo Delta, em primeiro lugar na licitação da PPP, como supostamente queria Segamarchi.
O DAEE e a Tejofran refutam que a vitória tenha sido resultado de acerto (leia texto nesta página).
A concorrência, porém, foi interrompida depois por causa de um fator externo ao DAEE, causado por um escândalo que envolveu a parceira da Trail no consórcio que liderava a concorrência.
Em outubro de 2013, a Polícia Federal deflagrou operação para investigar a suspeita de que a Delta desviara recursos públicos e corrompera políticos e servidores.
No ano anterior, o governo federal já havia decretado que a Delta era inidônea e a proibiu de disputar licitações no âmbito federal. A Delta e a Técnica sempre negaram as irregularidades.
Em dezembro de 2013, essa proibição levou o Tribunal de Contas de São Paulo a recomendar que a Técnica fosse impedida de participar de licitações no Estado, já que integrava o grupo da Delta.
Em janeiro deste ano, para evitar o desgaste político de contratar o consórcio formado pela Técnica, o governo Alckmin cancelou a licitação da PPP dos piscinões. Oficialmente, alegou motivos técnicos para encerrar a concorrência.
Promotores que examinaram o e-mail de forma preliminar dizem que o relato de Henriqueta aponta indícios da prática de crimes previstos na Lei de Licitações.
MECENAS
No e-mail, a diretora da Tejofran também relatou que Alceu pediu ajuda para uma peça teatral de uma filha.
“Outro assunto: pediu se o mecenas da Tejofran, você, não tem algum contato que possa conseguir um teatro em São Paulo, para que a peça que a filha dele está levando pelo Brasil possa vir a São Paulo (ele falou da dificuldade de teatro em SP naquele último almoço)”, escreveu Heriqueta para Telmo.
A Tejofran é uma das empresas investigadas por autoridades federais e estaduais pela participação no cartel que fraudou licitações de trens em São Paulo de 1998 a 2008, em sucessivas gestões do PSDB. Os e-mails foram encontrados em busca ligada a essa apuração.