30/03/2011 – Os indícios são de desvios bilionários
O Globo
Ainda no primeiro ano da Era Lula, em 2003, a Controladoria-Geral da União (CGU) começou a sortear municípios para auditar as despesas feitas pelos prefeitos com recursos repassados pelo Executivo federal. Como mais de dois terços das 5.564 prefeituras só não fecham as portas porque recebem recursos de Brasília e dos estados, por meio dos fundos de participação, acompanhar o caminho percorrido por este dinheiro é fundamental para se medir a qualidade da administração municipal.
O resultado de uma daquelas primeiras auditorias foi alarmante: das 131 prefeituras visitadas pelos auditores da CGU, pouco mais de 90% haviam cometido irregularidades na aplicação dos recursos federais. Entre elas, algumas muito conhecidas: superfaturamento por meio de licitações viciadas e gastos com obras inexistentes. O dinheiro, claro, foi para bolsos privados.
À época, estimou-se em 30% a proporção dos repasses federais desviados. Cairiam, então, nesses desvãos municipais da corrupção R$60 bilhões por ano. Ou o suficiente para sustentar o Bolsa Família por mais de um mandato inteiro (quatro anos), dinheiro suficiente para financiar a revolução na educação básica de que o Brasil necessita de maneira visceral, e ainda sobraria para investimentos na precária infraestrutura do país.
Quase oito anos depois, o descaso continua, com destaque para os setores de Saúde e Educação, segundo afirmou ao GLOBO o ministro-chefe da Controladoria, Jorge Hage. Nas auditorias nos municípios são nestas áreas que os auditores encontram mais irregularidades.
No caso da Saúde, investigações realizadas em repasses feitos entre 2007 e 2010 encontraram um desvio de R$662,2 milhões. Porém, como apenas 2,5% das transferências no âmbito do SUS são auditadas, R$154 bilhões do contribuinte foram despejados, no período, em estados e municípios sem qualquer controle.
Na posse do governo Dilma, a ministra do Planejamento, Míriam Belchior, ergueu como bandeira “fazer mais com menos”. Estes números e várias outras conhecidas evidências de má administração do dinheiro público – por má-fé e/ou incompetência – garantem ser possível atingir a meta do governo. Mas será preciso muita vontade política.
Nos últimos 15 anos, no ciclo FH-Lula, a carga tributária ficou sete pontos do PIB mais pesada, uma enormidade. Saiu de 28% do PIB para 35%, e ainda assim serviços essenciais para a sociedade continuam precários: Saúde, Educação, rodovias públicas malconservadas, aeroportos problemáticos.
Mas o quadro de servidores chegou à faixa de 1 milhão – sem considerar os inativos -, e a folha de salários, em oito anos, mais que dobrou para R$180 bilhões. Se a sociedade paga mais impostos – arca com uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo, recorde entre as economias emergentes -; se os serviços se mantêm precários; e cresceu desmesuradamente a folha de salários dos servidores, conclui-se que há algo de muito errado na administração pública.
E se se acrescem a isto evidências de fraudes incontáveis em repasses para atividades vitais como Saúde e Educação, chega-se a um quadro de descalabro. Pois nem as dezenas de milhares de contratações de servidores serviram para reforçar os sistemas de controle do uso do dinheiro do Erário.