27/07/2011 – Concorrência sob suspeita
Correio Braziliense
Josie Jeronimo
Pregão para alugar 85 veículos de luxo ao Senado acaba nas mãos de uma empresa que tem como sócio um funcionário lotado no gabinete do deputado Valadares Filho, do PSB sergipano. Servidor nega participação direta na licitação
A empresa que venceu o pregão para alugar carros para o Senado, com contrato de R$ 1,72 milhão por ano, pertence a um funcionário da Casa, filho de um ex-senador. Inscrição da Rosário Locadora de Veículos, de nome fantasia Connecta, registra que o capital da empresa é dividido entre Ricardo Luiz Santos Porto e Luciana de Goes Porto. Ricardo, que é servidor nomeado desde 1984, tem 49% do capital de R$ 1 milhão; e Luciana, os outros 51%.
Apesar de ainda receber como analista legislativo pelo Senado, o dono da Connecta está lotado no gabinete do deputado Valadares Filho (PSB-SE). O parlamentar é filho do senador Antônio Carlos Valadares Filho (PSB-SE), que já usou a tribuna da Casa para homenagear o pai de Ricardo Luiz, o ex-senador sergipano Passos Porto, que faleceu em outubro do ano passado.
Procurado pelo Correio no gabinete do deputado de Sergipe, um funcionário da Câmara afirmou que Ricardo Luiz não trabalhava lá. “Você ligou para o lugar errado, não é daqui, não. Você ligou para qual gabinete mesmo? Então, ele é do (escritório político do) estado. Bem, eu não sei, porque eu trabalho um período só”, respondeu, ontem, servidor do gabinete de Valadares Filho.
Sobre a ausência no posto de trabalho em que está lotado, Ricardo Luiz explica que fica “à disposição” do gabinete do deputado e que é assessor do parlamentar. O servidor do Senado afirma ser “cotista” da empresa que ganhou a licitação para alugar frota para transporte dos parlamentares e que está em processo de separação de sua mulher, Luciana, com quem divide o capital da firma. “Sou afastado, estou licenciado de lá (do Senado). A Connecta, a Rosário, realmente faço parte da sociedade, mas sou sócio-cotista, não tenho vínculo, não tenho participação, sou minoritário. Essa empresa ficou de herança do meu pai. Minha ex-mulher Luciana é que comanda. Não tenho conhecimento, não sei como é a empresa. Pode perguntar se alguém já me viu lá alguma vez.” Ricardo também afirma que é proprietário de posto de gasolina em Brasília e confirma que, apesar de ser cedido à Câmara, é remunerado pela Casa de origem. “Eu recebo pelo Senado.”
Luciana, por sua vez, disse que o ex-marido não tem qualquer envolvimento com a empresa. “Por essa razão, em nosso processo de separação, decidimos que esta empresa ficaria para mim. Em função dessa decisão, no último 5 de julho, solicitei ao contador a alteração contratual para que 100% da empresa ficasse em meu nome. Como viajaria de férias, utilizaria o prazo legal de 180 dias para definir o meu novo sócio.” Segundo ela, a empresa tem 14 anos de operação, com uma frota de 600 veículos. “Temos vários clientes e eles podem declarar quem é o sócio à frente da operação e atestar a capacidade técnica da empresa.”
Classificação
A empresa do funcionário público foi declarada vencedora num segundo instante do certame, que contou com a participação de 36 concorrentes, no último dia 22. A firma que apresentou o menor preço, a Giro Locadora, foi inabilitada no pregão. Na 16ª rodada de preços, a Giro chegou ao valor de R$ 1.770 por mês para um modelo Toyota Corolla, equipado com banco de couro, e a Connecta estacionou no valor de R$ 1.775. Com a desclassificação da concorrente, a empresa de Ricardo Luiz foi declarada vencedora, depois de aceitar fechar o contrato com o preço oferecido pela Giro.
A homologação do contrato entre o Senado e a Connecta — que tem validade de um ano, prorrogável por mais um — só ocorrerá depois da análise dos recursos impetrados pelas empresas perdedoras. Logo após o anúncio da escolha, a Uzêda Comércio e Serviços alegou que a Connecta não fez constar o termo de abertura e de fechamento do balanço patrimonial. A vencedora do pregão tem um mês, após a assinatura do contrato, para entregar os 85 carros que prestarão serviço aos 81 senadores. Quatro veículos são destinados à reserva da frota.
No vaivém dos custos de locação dos carros que substituirão os Fiat Marea 2003 do Senado, os preços saíram dos R$ 6,1 mil do edital do pregão para os R$ 1.770 da empresa anunciada como vencedora. O primeiro-secretário da Casa, senador Cícero Lucena (PSDB-PB), estimou inicialmente em R$ 4 mil o custo unitário de um veículo de luxo para atender aos parlamentares. O valor da locação de carros executivos com os opcionais solicitados pelo Senado é de R$ 2,4 mil por semana, em grandes empresas do mercado. O preço do aluguel dos veículos não inclui combustível e motoristas.