26/05/2022 – Investigação aponta ‘evidente atuação de cartel’ no transporte público de Contagem
TV Globo — Belo Horizonte
Patrícia Fiúza
Inquérito do Ministério Público de Contas concluiu que uma única empresa fez todas as propostas das empresas participantes da licitação de 2019 e que não houve concorrência. Provas impulsionaram abertura de investigação do Ministério Público de Minas Gerais.
O Ministério Público Estadual investiga a suspeita de formação de cartel no transporte público de Contagem. As apurações começaram depois que o Ministério Público de Contas, que constatou irregularidades no transporte público metropolitano e em Belo Horizonte, apontou, em inquérito divulgado neste mês, a suspeita de formação de cartel no processo de concessão do transporte público da cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
De acordo com o documento, a licitação, que foi aberta duas vezes, uma em 2018 e outra em 2019, não teve competição entre os concorrentes.
No primeiro edital, o critério era maior valor de outorga e valor da passagem fixa, em R$ 4,20. Mas, segundo o MP de Contas, o processo foi questionado por dez empresas e um sindicato, que apresentaram impugnações à comissão de licitação e denúncias no Tribunal de Contas do Estado.
A análise do TCE à época apontou que o valor da passagem apresentava “lucros adicionais exorbitantes aos concessionários”, e que a mesma deveria ser R$ 0,10 mais barata. O TCE determinou a suspensão da licitação.
A Transcon, então, anulou a concorrência em janeiro de 2019. Apenas dois meses depois, publicou um novo edital que, segundo o MP de Contas, teve “alterações extremamente benéficas (para as empresas de ônibus)”. Entre elas, a retirada do pagamento de outorga, aumento da tarifa para R$ 4,50, aumento do tempo de concessão, de 15 para 20 anos, e redução da frota de 275 para 189 veículos.
Atualmente, a passagem em Contagem é mais cara do que a da capital. Em 5 de fevereiro, o valor subiu 11%, de R$ 4,50 para R$ 5.
De acordo com as investigações, este segundo edital não foi questionado como o anterior. Apenas uma denúncia foi interposta por uma empresa de Curitiba. E várias concessionárias que impugnaram a primeira licitação, nem sequer participaram deste segundo certame, “o que desperta a atenção”, segundo o órgão.
Exemplo disso são as empresas Turilessa e Coletivos Nossa Senhora de Lourdes, as duas de propriedade da família Lessa. Enquanto a Turilessa questionou o primeiro certame e não participou do segundo, o Coletivos Nossa Senhora de Lourdes foi vencedora e presta serviço na cidade.
“Assim, fica evidente a atuação do cartel nos bastidores da licitação, ora fazendo com que as empresas apresentassem denúncias no Tribunal de Contas para dar aparência de uma disputa acirrada, ora pressionando e influenciando os possíveis concorrentes a não participarem do certame, em ambos os casos visando afastar eventuais interessados na licitação e impedido assim qualquer tipo de concorrência”, diz o documento.
Ainda de acordo com o MP de Contas, a licitação permitia que uma mesma empresa integrasse até dois consórcios, desde que disputassem lotes distintos (A ou B). Portanto, segundo as investigações, todas as empresas decidiram se agrupar em apenas dois consórcios, cada um oferecendo uma proposta para um lote. “O procedimento licitatório em tela contou com atuação cartelizada das empresas licitantes, que decidiram não competir entre si, mas sim ‘repartir o bolo’ do objeto licitado entre elas”, afirmou o documento.
Assim, o Consórcio Conectar, que conta com cinco empresas, ficou com o lote A. Já o Consórcio Conpass ficou com o lote B, dividido entre quatro empresas. Mas três destas empresas – São Gonçalo, Nossa Senhora de Lourdes e Viação Belo Monte atuam em ambos consórcios.
Propostas elaboradas pela mesma pessoa
De acordo com o Ministério Público de Contas, as propostas de preços dos dois consórcios foram elaboradas pela mesma pessoa. As investigações apontam que as propriedades das planilhas financeiras, apresentadas em Excell, têm como autor usuário “Tone”. Segundo o inquérito, as duas foram salvas no mesmo horário e impressas com dez minutos de diferença.
Segundo o MP de Contas, Tone é a forma como é conhecido Gladistone Fernando Silva, sócio-proprietário da empresa Tecnotran Engenheiros Consultores. A empresa também é investigada por irregularidades no processo de licitação do transporte público da capital mineira, em 2008.
Só uma empresa fez todas as propostas de licitação das concessionárias de ônibus
Suspeitos de envolvimento serão ouvidos
O ex-prefeito de Contagem, Alex de Freitas, é apontado como o responsável por aprovar o projeto básico da licitação e deve ser ouvido. Também devem prestar depoimentos o ex-presidente da Transcon à época, responsável pela abertura, adjudicação e homologação da licitação, integrantes da Comissão Especial de Licitação, além de empresários, como Rubens Lessa, que usou uma empresa para questionar o primeiro certame no Tribunal de Contas, mas acabou participando com outra.
O que dizem os citados
Em nota, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano (Sintram), “na condição de representante das empresas do sistema municipal de Contagem, esclarece que desconhece a investigação e que, até o momento, não recebeu nenhuma notificação do Ministério Público de Contas. Informa, ainda, que não houve nenhuma irregularidade no processo licitatório e que, havendo qualquer denúncia a respeito envolvendo suas associadas, após esclarecimentos, será comprovado que ela é infundada.”
A Transcon informou que os dois editais foram lançados na gestão anterior. E que o último estava de acordo “com a legalidade no processo de licitação”. Em relação à investigação do MP de Contas, a Transcon disse que não recebeu intimação para manifestação e que “se coloca à disposição para apresentar quaisquer docuemntos ou esclarecimentos que forem solicitados”.
Já o ex-prefeito de Contagem, Alex de Freitas, defendeu que a licitação do transporte coletivo “integra um projeto moderno de mobilidade para a cidade”, e que “regularizou a situação de falta de contrato”. O anterior, segundo o ex-prefeito, terminou em 2016 e até 2019 as empresas prestavam o serviço por meio de portaria que prorrogou o contrato.
Ele disse ainda que novos veículos foram incorporados à frota e somente uma atualização de tarifa foi autorizada. Ainda de acordo com Freitas, “embora a responsabilidade pela licitação seja exclusivamente da Transcon, autarquia municipal responsável pela gestão do trânsito em Contagem, cabe ressaltar que todo o processo ocorreu de maneira transparente, como é determinado pela legislação”.
O ex-prefeito afirmou também que ainda não recebeu qualquer notificação do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) e permanece à disposição do órgão para prestar todos os esclarecimentos que se fizerem necessários.
O g1 procurou os outros citados nesta reportagem e, até a última atualização, aguardava posicionamento.