17/03/2014 – Justiça veta financiamento de frota de ônibus do DF com verba do BNDES
G1
Para juiz, há indício de irregularidades na licitação do transporte público.
Banco diz que não foi notificado; em nota, GDF diz não haver irregularidade.
A Justiça Federal determinou a suspensão de repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o financiamento da nova frota de ônibus às empresas vencedoras da licitação do transporte público no Distrito Federal. A determinação partiu do titular da 8ª Vara, Antônio Cláudio Macedo da Silva, no final da tarde de sexta-feira (14). Cabe recurso.
Procurado pelo G1, o BNDES informou que não foi notificado sobre a decisão da Justiça até o fim da tarde desta segunda-feira (17) e que por isso não pode se manifestar a respeito.
Na sentença, Silva diz enxergar irregularidades no processo de licitação. “Entendo presentes os requisitos para a antecipação da tutela via concessão da medida liminar, tal a robusteza da prova, a verossimilhança das alegações e o evidente risco de dano irreparável aos cofres públicos”, afirmou.
Segundo a decisão, há indícios de superfaturamento no preço da passagem pedido pelas empresas durante a licitação. O magistrado cita a representação do Ministério Público pedindo a anulação do processo por “comprovado superfaturamento das tarifas em razão da ausência de competitividade na concorrência”.
O juiz também afirma que na ação popular que deu origem à investigação consta que houve formação de oligopólio, em desobediência ao edital, pois “duas empresas do mesmo grupo econômico sagraram-se vencedoras de dois lotes da licitação”.
As empresas Piracicabana e Pioneira, ambas ligadas a dois irmãos da família Constantino, que controla a companhia aérea Gol, venceram lotes da licitação do transporte no DF. A Viação Piracicabana atua em linhas do Plano Piloto, Sobradinho I e II, Planaltina, Cruzeiro, Lago Norte, Sudoeste/Octogonal, Varjão e Fercal. A Pioneira opera nas regiões do Gama, Paranoá, Santa Maria, São Sebastião, Itapoã e parte do Park Way.
O G1 procurou o juiz Antônio Cláudio Macedo da Silva, que não se pronunciou a respeito.
Em nota, o GDF diz que o certame foi concluído obedecendo aos preceitos legais e que “a Justiça Federal não tem competência para decidir ou interferir em uma licitação realizada e concluída no âmbito do Distrito Federal, sem utilizar verbas federais”.
O governo também afirma na nota que a decisão de suspender os repasses não tem efeito prático porque os ônibus já foram comprados e entregues aos novos operadores. O governo informa que vai se pronunciar pela Procuradoria-geral “em momento oportuno”, caso seja legalmente acionado sobre o assunto.
Pedido do MP
O Ministério Público do Distrito Federal pediu à Justiça a suspensão dos contratos com as empresas de ônibus vencedoras da licitação do transporte público no DF. O parecer foi enviado pelo promotor Cláudio João Medeiros Miyagawa Freire à 5ª Vara de Fazenda Pública do DF no último dia 6 de dezembro.
A recomendação pela paralisação foi apenas para as empresas que ainda não começaram a atuar no DF, para não comprometer a prestação de serviço à população. Três das cinco empresas que venceram a concorrência já estão em operação (São José, Piracicabana e Pioneira).
No documento, o MP arrola uma série de denúncias de irregularidades no certame, como a vitória de duas empresas ligadas a um mesmo grupo econômico – Viação Pioneira e Viação Piracicabana, ambas da família Constantino.
“Há fundado dano irreparável caso as empresas que ‘venceram’ a concorrência comecem a operar o sistema básico de transporte coletivo público do DF”, diz o promotor no parecer. Em dez anos, prazo de concessão, que pode ser renovado por mais dez, o faturamento estimado das empresas vencedoras da licitação é de R$ 10 bilhões.
O edital elaborado pelo GDF veda concorrência no mesmo lote ou em lotes distintos de empresas que tenham controle societário ou administradores comuns. Também é proibida a participação, ainda que indireta, em mais de um consórcio.
Documentos obtidos pelo G1 revelam que o grupo Constantino administra o equivalente a 40% das linhas de ônibus do Distrito Federal. As duas empresas ganharam no final do ano passado, na concorrência elaborada pelo GDF, o controle de dois dos cinco lotes em disputa, com linhas de ônibus em 18 regiões administrativas.
A Justiça Federal não tem competência para decidir ou interferir em uma licitação realizada e concluída no âmbito do Distrito Federal, sem utilizar verbas federais”
Nota do GDF
A Viação Pioneira é dirigida por Auristela Constantino e Cristiane Constantino. Em setembro de 2012, quando o edital do transporte já havia sido lançado, Henrique Constantino e Joaquim Constantino – irmãos de Auristela e Cristiane – deixaram a administração da Viação Piracicabana, mas mantiveram controle acionário da empresa, com praticamente 100% do capital social, conforme documento obtido pelo G1.
Quem assumiu a gestão da Piracicabana foi Maria Zélia Rodrigues de Souza França e Paulo Coelho, que têm, juntos, R$ 1 da empresa – o equivalente a 0,00003% das cotas de sociedade da Piracicabana. Os irmãos Constantino detêm os outros R$ 33.327.999 (trinta e três milhões e trezentos e vinte e sete mil novecentos e noventa e nove reais) da sociedade, que é dividida em cotas de R$ 1.
A ligação entre os sócios da Piracicabana e da Pioneira não é apenas familiar. Maria Zélia é também sócia da empresa de ônibus Expresso União, companhia controlada por Auristela e Cristiane Constantino. Assim, as duas sócias da Pioneira trabalham em conjunto com a administradora da Piracicabana em outra empresa.
A reportagem não conseguiu contato com as empresas até a publicação desta reportagem.
Ao G1, o secretário de Transportes, José Walter Vazquez, disse não considerar que haja irregularidade no fato de as duas empresas terem como sócios integrantes da mesma família.
“As duas empresas são, inclusive, muito diferentes, possuem estilos distintos de gestão. O fato de serem da mesma família não contraria o edital, porque as empresas formam grupos econômicos distintos”, afirmou.
José Walter Vazquez também minimizou o fato de os administradores da Viação Piracicabana atuarem com as donas da Viação Pioneira na Expresso União.
“Ainda assim, não há a formação de um mesmo grupo econômico. Agora, quando se fala em transporte coletivo, não se trata de um mercado de concorrência perfeita. Para funcionar, o importante é o controle ativo e a regulação do poder público”, disse.
Sacha Reck
O Ministério Público também coloca em suspeição a participação do advogado Sacha Reck na elaboração do edital de licitação. O secretário de Transportes disse que Reck foi contratado pelo governo do DF para orientar a produção do certame porque é uma “referência” na área.
No entanto, o advogado representou empresas do Grupo Constantino e da família Gulin em vários processos judiciais, sendo que eles são sócios de três empresas que acabaram vencendo a licitação do Distrito Federal – Viação Pioneira e Viação Piracicabana (ambas ligadas à família Constantino) e Viação Marechal (Grupo Gulin).
“Se houve alguma irregularidade, quem deve responder por isso é o Sacha Reck”, afirmou José Walter Vasquez.
O advogado Rodrigo Muniz Santos, que representa Sacha Reck, disse ao G1 por e-mail que seu cliente “não configura como réu nem jamais foi intimado a qualquer título, para se manifestar no processo judicial em que foi proferido o parecer do Ministério Público do Distrito Federal”.
Muniz destacou ainda que a Justiça do DF já rejeitou pedidos de liminares (decisões provisórias) para suspender a execução dos contratos entre o GDF e empresas de ônibus. O advogado critica o fato de o procurador não citar, no parecer, as decisões tomadas até agora pela Justiça a respeito da licitação.
“O parecer do Ministério Público, por descuido ou, quem sabe, por desconhecimento, não faz menção às decisões vinculantes do TJDFT, acabando por configurar mera reiteração de um pedido já vencido, que não deve encontrar ressonância no Judiciário”, afirma o representante de Sacha Reck.