08/03/2015 – Governo de SP revê cronograma de todas as obras do metrô.
Folha de S. Paulo
Rafael Balago / Carolina Dantas
Sonho de transporte de boa parte dos paulistanos, a expansão do metrô enfrentará mais obstáculos à frente.
Além da linha 4amarela, cujas obras foram paralisadas, o Metrô trabalha em uma revisão do cronograma de entrega das outras seis linhas que estão em construção, o que deverá atrasar novas inaugurações.
“Temos recursos confirmados para fazer o que está previsto até o fim deste ano”, diz Walter Castro, diretor de engenharia do Metrô. “As próximas etapas estão em revisão de cronograma”, afirma, sem citar novos prazos.
Comandada pela gestão Geraldo Alckmin (PSDB), cujo partido lidera o Estado há 20 anos, a companhia credita os riscos de atraso à crise, que pode afetar a arrecadação de imposto, e aos reflexos da operação Lava Jato.
“Cerca de 90% das construtoras que atendem o Metrô foram citadas, mas até agora não tivemos interferências”, diz Castro. Se estas empresas forem condenadas, terão problemas para se financiar, o que comprometerá os prazos.
Outro motivo apresentado é a troca de comando na Secretaria dos Transportes Metropolitanos. Cláudio Pelissioni assumiu o cargo em janeiro. E Alckmin ainda não definiu quem será o presidente do Metrô neste mandato.
No caso da linha 4, o governo culpa o consórcio Isolux CórsanCorviam pela paralisação das obras. Para que haja rescisão do contrato, é preciso aguardar parecer do Banco Mundial, um dos financiadores.
A professora Sandra Stevens, 61, observa de sua janela o preparo da estação Oscar Freire. “Os trabalhadores ficam deitados, jogam cartas. Já vi um deles cortando o cabelo dos colegas.”
Nas linhas 5lilás, 6laranja, 15prata e 17ouro, a sãopaulo constatou que os trabalhos seguem em execução. Atrasos são comuns na história do metrô. A seguir, dividimos o processo de construção em quatro etapas, para mostrar onde estão os entraves.
PLANEJAMENTO
Em 1968, no largo Ana Rosa, o prefeito Faria Lima subiu em uma escavadeira e deu golpes no solo para começar a abrir a linha 1azul. O projeto da época previa a construção de uma rede com seis linhas até 1986.
Porém, a marca de seis ramais foi atingida apenas em 2014, com a abertura da linha 15prata. A numeração leva em conta as linhas da CPTM e as que nunca saíram do papel.
Sobraram projetos e faltou continuidade: foram elaborados ao menos seis planos de expansão desde os anos 1960, com vários traçados e prazos, que foram descartados sem que seus objetivos tenham sido concluídos. O último deles, o Pitu (Plano Integrado de Transporte Urbano) 2025, é de 2006.
Atualmente, o metrô tem 104,5 km de linhas contratadas ou em construção. A rede atual tem 78,4 km.
Walter Castro, do Metrô, explica que os planos se baseiam nas pesquisas de Origem e Destino, mas que a realidade muda rápido. “Com a chegada do Bilhete Único [que dá desconto na passagem], a demanda dobrou em quatro anos. Hoje levamos 3.5 milhões de pessoas por dia”, aponta.
“Os planos visam a solução de problemas superficiais, como a redução de congestionamentos, mas não se busca uma transformação urbana de fato”, analisa Marcos Kiyoto, mestre em arquitetura pela FAUUSP.
Pelo projeto original, a linha 3vermelha deveria ligar a Casa Verde à Vila Maria. Entretanto, o governo preferiu aproveitar a estrutura de uma ferrovia na zona leste, que foi transformada em metrô. Era uma forma de economizar com escavações e desapropriações. Mesmo assim, as obras duraram dez anos, um reflexo da crise dos anos 1980.
Construir metrô é uma obra cara: a expansão da linha 5lilás, por exemplo, custará R$ 8,9 bilhões. É mais do que os R$ 8 bilhões que a prefeitura da capital paulista terá para investir em todas as áreas em 2015.
As saídas encontradas pelo governo do Estado para obter recursos incluem recorrer a empréstimos internacionais, ao governo federal e à prefeitura, que pagará parte das obras do monotrilho (sistema de trens menores que circulam em vias elevadas). Outra opção é buscar parcerias com empresas (leia na pág. 20).
A ação de moradores contrários ao metrô também atrasa a ampliação da rede. Em 2010, habitantes de Higienópolis tentaram barrar a criação de uma estação no bairro.
Eles defendiam que a construção deveria ser feita na praça Charles Miller, para atender aos alunos da Faap e aos torcedores do Pacaembu.
Na época, a declaração de uma psicóloga de que o metrô traria “gente diferenciada” ao local gerou polêmica.
“Como em todo bairro, existe quem se acha melhor que os outros. A maioria queria que a estação ficasse onde era mais necessário”, afirma Fábio Fortes, 47, diretor da Associação de Moradores de Santa Cecília e Higienópolis.
No final, a estação ficou prevista para a uma quadra do local original. No Morumbi, moradores entraram na Justiça para impedir a construção de um monotrilho no bairro. O metrô manteve o projeto.
LICITAÇÃO
Definido o projeto, é hora de chamar alguém para executálo. Como qualquer empresa pública, o metrô precisa abrir uma licitação: o órgão divulga o projeto e o consórcio que oferecer o menor preço ganha o contrato de implantação.
Os interessados precisam apresentar garantias, como experiência técnica. A calibragem dessas exigências pode dar espaço a direcionamentos no edital, capazes de restringir a concorrência.
Caso haja suspeitas de que o processo foi fraudado ou participantes se sintam prejudicados, a disputa pode ser travada por ações na Justiça.
Os tribunais levam meses ou anos para julgar os casos. A segunda etapa da linha 5lilás teve sua licitação anulada após a Folha revelar que os vencedores já eram conhecidos antes da abertura dos envelopes, sinal de um acordo entre concorrentes.
“Fazer um edital preciso e objetivo, que não dê margens a desvios, ajudaria a acelerar o processo”, avalia Paulo Boselli, consultor de licitações. “[A construção pesada] é um setor com poucas empresas, o que favorece o surgimento de carteis.”
“Depois que o edital é publicado, a administração tem pouco poder sobre o processo de escolha, como rejeitar concorrentes”, analisa Carlos Ari Sundfeld, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público.
Para Sundfeld, uma das formas de evitar fraudes é dar mais poder ao governo para fazer convites diretos a empresas de outros países e, assim, estimular o fim de cartéis. Porém, mudanças nas regras precisam ser aprovadas pelo Congresso.
O RDC (Regime Diferenciado de Contratação) é outra alternativa. Por ele, os concorrentes só podem entrar com recursos ao fim da licitação e o contrato não pode ter aumento de preço. O Metrô fez estudos com o sistema, mas o considerou desvantajoso.
Nas PPP (Parceria Público Privada) as empresas investem na construção da linha em troca de operá-la por décadas. Com isso, ficam com a arrecadação da bilheteria e outros rendimentos, como aluguel de espaços.
Entretanto, a tarifa de metrô não dá conta de arcar com os gastos de operação e, ao mesmo tempo, compensar o investimento. Isso atrai menos interessados do que concessões de rodovias e aeroportos, por exemplo.
“Operar um metrô é muito caro. Não é uma mina de ouro”, defende José Carlos Viegas, presidente do ITF (Fórum Internacional de Transportes).
Em 1995, o governador Mário Covas (19302001) esperava encontrar empresas que pagassem por 100% da construção da linha 4 amarela em troca da concessão. Como não achou interessados, o governo pagou por 73% do valor e ficou responsável pelas obras. O consórcio ViaQuatro arcou com 27% dos gastos e ficou com a operação.
Na linha 6laranja, o consórcio Move São Paulo investirá 46,9% do total e fará toda a construção. “É um tipo de casamento. Convém estar seguro da reputação da empresa para evitar problemas futuros”, alerta Viegas.