A utilização indiscriminada dos índices contábeis.
Felipe Boselli
Advogado e consultor de licitações. Graduado pela UFSC, pós-graduando em Processo Civil e em Direito Público: Constitucional e Administrativo. Consultor e sócio da Boselli Licitações, ministra cursos de licitações e contratos administrativos, por todo o país.
RESUMO
Com previsão no § 1º do artigo 31 da Lei nº 8.666/93, a exigência de índices contábeis mínimos está inserida dentre as ferramentas de análise da qualificação econômico-financeira da licitante. É comum a adoção de índices contábeis como critério de habilitação, tendo sua forma de aplicação sido regulamentada pela Instrução Normativa MARE/GM nº 05, de junho de 1995. O artigo busca desmistificar sua aplicabilidade, demonstrando as consequências danosas que sua utilização cega pode trazer à Administração.
Palavras-chave: Licitação; Habilitação; Índices Contábeis
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo discutir a utilização, de forma indiscriminada, dos índices contábeis como critério absoluto para comprovar a qualificação econômico-financeira da licitante.
A possibilidade de exigência dos índices contábeis está prevista na Lei nº 8.666/93, em seu artigo 31, §§ 1º e 5º. Eis a regra do mencionado artigo:
Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:
I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;
[…]
§ 1º A exigência de índices limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade.
[…]
§ 5º A comprovação de boa situação financeira da empresa será feita de forma objetiva, através do cálculo de índices contábeis previstos no edital e devidamente justificados no processo administrativo da licitação que tenha dado início ao certame licitatório, vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação.
Diante do texto legal apresentado, cumpre estudar a funcionalidade do disposto no § 1º, como critério absoluto para a habilitação de licitantes e das consequências danosas ao Estado da sua utilização indiscriminada pelo mercado.
A discussão é acentuada quando observada a Instrução Normativa MARE-GM n? 05 de 21 de julho de 1995, que prevê, em seu item 7.2, a verificação de capital social ou do patrimônio líquido da empresa, caso os índices contábeis estabelecidos pela Instrução Normativa sejam iguais ou inferiores a 1,0 (um). Assim estabelece a norma:
V – a comprovação de boa situação financeira de empresa oriunda de localidade onde o SICAF não tenha sido implantado, será baseada na obtenção de índices de Liquidez Geral (LG), Solvência Geral (SG) e Liquidez Corrente (LC), resultantes da aplicação das fórmulas:
Ativo Circulante + Realizável a Longo Prazo
LG = —————————————————–
Passivo Circulante + Exigível a Longo Prazo
Ativo Total
SG = —————————————————-
Passivo Circulante + Exigível a Longo Prazo
Ativo Circulante
LC = ———————–
Passivo Circulante
[…]
7.2. As empresas que apresentarem resultado igual ou menor do que 1 (um) em qualquer dos índices referidos no inciso V, quando de suas habilitações deverão comprovar, considerados os riscos para administração e, a critério da autoridade competente, o capital mínimo ou patrimônio líquido mínimo, na forma dos §§ 2º e 3º, do artigo 31, da Lei nº 8.666/93, como exigência imprescindível para sua Classificação podendo, ainda, ser solicitada prestação de garantia na forma do § 1, do artigo 56, do mesmo diploma legal, para fins de contratação.
Inquestionavelmente, a IN MARE-GM n° 05/95 traz a possibilidade de ampliar o universo de licitantes, ao admitir às empresas que não tiverem índices de liquidez ou de solvência superior a 1,0 (um) a possibilidade de apresentarem capital social mínimo, ou mesmo a prestação de garantia prevista no § 1? do artigo 56 da Lei n? 8.666/93, a saber:
Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.
§ 1º Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:
I – caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda;
II – seguro-garantia;
III – fiança bancária.
A ampliação das possibilidades habilitatórias é um benefício ao procedimento licitatório, que logrará a obtenção de um maior número de propostas e, consequentemente, uma maior possibilidade de obtenção da melhor oferta. Contudo, essa extensão deve ser adotada com responsabilidade e com os cuidados que requer o bom trato da Administração Pública.
Não pode o gestor público, na busca incessante pelo menor preço, olvidar da proteção fundamental ao patrimônio público. É importante relembrar que o objetivo da licitação não é alcançar o menor preço, mas sim a melhor oferta. Vale dizer que a licitação seleciona a proposta mais reduzida, dentre aquelas que reúnam condições de cumprir satisfatoriamente o contrato.
DAS CARACTERÍSTICAS DA HABILITAÇÃO
A habilitação no procedimento licitatório tem a função bem clara e necessária de distinguir aqueles que têm condições de executar o pretendido contrato, daqueles que não possuem tal condição. Visa a fase de habilitação, por conseguinte, evitar que a Administração se lance em aventuras incompatíveis com a característica de gestão do interesse público, em conformidade com a doutrina de Adilson Abreu Dalari[1]:
A Administração Pública não pode meter-se em contratações aventurosas; não é dado ao agente público arriscar a contratação em condições excepcionalmente vantajosas, pois ele tem o dever de zelar pela segurança e pela regularidade das ações administrativas.
A doutrina e a jurisprudência já firmaram entendimento no sentido de que, contrariamente ao que deve ocorrer na fase de habilitação, um exame efetuado na primeira parte da fase de classificação deve ser bastante amplo e rigoroso.
O respeitado conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Antonio Roque Citadini[2], de forma bem objetiva, apresenta a fase de habilitação como o momento em que a Administração verifica a aptidão das licitantes para participar daquela disputa licitatória, deve ser observado nesta etapa processual se a proponente reúne condições mínimas para disputar a contratação
De toda forma, ao definir os critérios de habilitação, o administrador deve posicionar-se na linha divisória entre a garantia de que o contrato vai ser cumprido e a restrição ao caráter competitivo do certame licitatório.
Este é o preciso posicionamento do Prof. Paulo Boselli[3], ao ressalvar a importância da prudência na definição dos critérios de habilitação. Vale dizer que a Administração Pública não pode transformar a fase de habilitação em uma corrida de obstáculos que tenha por objetivo a eliminação de licitantes. Devem ser excluídos nessa fase, tão-somente, aqueles que não detenham a competência mínima exigida para a execução do objeto pretendido.
Em que pese a busca pela máxima competitividade, as regras da licitação precisam resguardar a Administração de licitantes que, sabidamente, não têm condições de atendê-la. Nessa linha vêm os ensinamentos do sempre festejado Hely Lopes Meirelles[4], que assim nos brinda com sua sapiência:
Embora haja interesse da Administração no comparecimento do maior número de licitantes, o exame das propostas, restringe-se àquelas que realmente possam ser aceitas, em razão da pessoa do proponente. Isto porque a Administração só pode contratar com quem tenha qualificação para licitar, ou seja, o interessado que, além da regularidade com o Fisco, demonstre possuir capacidade jurídica para o ajuste; condições técnicas para executar o objeto da licitação; idoneidade financeira para assumir e cumprir os encargos e responsabilidades do contrato.
Já, tratando especificamente da qualificação econômico-financeira, o brilhante Marçal Justen Filho[5], salienta que as exigências relativas a esse quesito devem ser feitas caso a caso, de acordo com as necessidades específicas do contrato que se busca, aponta o autor que: “A qualificação econômico-financeira não é, no campo das licitações, um conceito absoluto”. Deve o administrador público, portanto, analisar, caso a caso, quais são as exigências habilitatórias possíveis e adequadas àquela situação concreta.
Interessante trazer também a lição de Luis Carlos Alcoforado[6], ao reforçar o conceito de que a qualificação econômico-financeira deve ser definida com muito critério e bom senso, sob pena de conduzir a um instrumento que se presta a diminuir a competitividade da licitação:
Com margem certeira de convicção, diz-se que, dos quatro grupos que compõem a habilitação, o da qualificação econômico-financeira, mesmo que pequena a margem de discricionariedade, oferece à Administração o poder de estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, exigências referendadas no seu talante, especialmente no que toca ao arbitramento do capital mínimo, de patrimônio líquido mínimo e da modalidade de garantia entre as que o Estatuto permite.
Decorre desse poder, cujo exercício somente se legitima se albergado por razões e justificativas de ordem técnica, a importância de maior fiscalização, evitando-se, conseguintemente, a adoção de índices, inobstante não excederem os limites fixados na Lei, os quais tenham manifesta disposição de frustrar o caráter competitivo da licitação.
É pacífico o entendimento de que as exigências de qualificação econômico-financeira devem ser feitas em função da contratação específica que se pretende, sendo que, somente desta forma será possível proteger a Administração para aquela contratação, em especial.
Agir em desconformidade com o objeto existente no processo licitatório imputaria em uma aplicação cega da legislação, em detrimento das reais necessidades daquele procedimento.
Foi com este objetivo que o legislador redigiu o § 5º no artigo 31 da Lei de Licitações. Em seu teor, a norma veda a adoção de índices que não são usualmente adotados e, principalmente, valores que não sirvam para a avaliação específica da capacidade financeira que será necessária para cumprir com as obrigações referentes àquela contratação.
Contraria o previsto no final do § 5° do artigo 31 da Lei 8.666/93 empregar, na qualificação econômico-financeira, índices contábeis genéricos, que são utilizados tanto em licitações de grande vulto quanto nas pequenas ou que se aplica às compras de pronta entrega da mesma forma que aos serviços contínuos, em razão da ausência de estudo daquilo que é necessário para atender às necessidades da licitação em apreço.
É imperioso destacar o caráter abstrato da norma. A lei, quando elaborada, tratou do tema abarcado de forma abstrata, sem aplicação concreta. É dever do bom operador do direito traduzir a intenção da norma para a realidade a ser aplicada. Sem essa demanda pela tradução de um conceito abstrato em algo concreto, não seria necessária a presença de juízes, tribunais ou graus de jurisdições, posto que um mero sistema de computador poderia aplicar o puro e estrito texto legal.
Logo, cabe ao administrador o dever de conhecimento das condições legais e aquelas inerentes à contratação específica. Somente assim, a lei será aplicada em sua totalidade e sob o prisma da legalidade e da justiça.
A DUVIDOSA SEGURANÇA OFERECIDA PELOS ÍNDICES CONTÁBEIS
Compreendida a fase de habilitação, com suas características e exigências, deve ser abordada agora a questão dos índices contábeis e dos problemas constatados quando da utilização desses cálculos.
Os índices de liquidez e solvência consistem, basicamente, em cálculos que buscam aferir qual a relação entre o ativo e o passivo de uma empresa. Podem ser concebidos como uma forma de verificar se a empresa analisada possui condições de cumprir com seus compromissos, ou seja, busca-se com os índices de liquidez e solvência atestar a solidez da empresa e a possibilidade de honrar com suas obrigações em caso de extinção dessa licitante.
Contudo, em que pese seu funcionamento teórico, a aplicação dos cálculos como forma isolada de verificação da sustentabilidade de uma empresa não é uma ferramenta que se mostra eficaz.
Na prática licitatória, são encontradas as mais diferentes estruturações contábeis dentre as empresas analisadas. Assim, é fundamental que a Administração verifique as especificidades de cada caso, de forma a possibilitar o tratamento isonômico entre as licitantes e uma efetiva apreciação da competência econômico-financeira das licitantes.
Como exemplo de problema constatado quando da utilização isolada dos índices contábeis, pode ser mencionado o caso específico de empresas que optaram pela tributação com base no lucro presumido.
Dentro do regime de lucro presumido, as empresas são tributadas considerando uma faixa de lucro predeterminada pela legislação em vigor, de acordo com a atividade desempenhada, independentemente do montante efetivamente apurado de lucratividade.
Considerando que na opção pelo lucro presumido a empresa não é tributada de acordo com seus lucros reais, o mais vantajoso é reduzir ao máximo as despesas contabilizadas pela empresa, com o objetivo de obter maior margem de lucro, permitindo, por conseguinte, a distribuição deste lucro aos sócios, os quais incorporam essa renda sem nenhuma tributação adicional pela pessoa física.
Neste contexto, uma empresa que opere pelo regime de Lucro presumido pode, mesmo com patrimônio líquido e capital social ínfimo, possuir índices contábeis elevadíssimos, pois deixando de lançar todas as despesas possuirá um passivo de pequena monta.
Logo, uma empresa muito pequena, optante pelo regime tributário de lucro presumido, pode possuir (e provavelmente terá) índices significativamente maiores que a maior e mais consistente companhia do país na área a ser trabalhada.
É possível perceber que os índices contábeis, por si só, não representam uma maior segurança jurídica da contratação e a certeza de solvência da licitante analisada.
Em uma segunda perspectiva, trazendo o exemplo de uma grande multinacional, que opte pelo regime de tributação de lucro real, é possível constatar uma prática consolidada de mercado.
As empresas optantes pelo lucro real adotam estratégia tributária diametralmente contrária à forma de aplicação de recursos de uma licitante que utilize o lucro presumido.
As grandes empresas buscam reaplicar seus lucros como forma de investimento interno. Assim, é possível reduzir o lucro real aferido pelo balanço patrimonial e, consequentemente, os tributos pagos por esta empresa, visto que o Imposto de Renda incidirá sobre o lucro efetivamente percebido que, no caso das empresas que optem pelo lucro real, deverá ser, para efeito de tributação, o menor possível.
Uma hipotética companhia, líder de mercado e em condições de absoluta solvência, não raras vezes, percebe resultados contábeis abaixo do padrão, o que não significa, necessariamente, que a empresa está em dificuldade financeira, rumo à declaração de falência ou em situação similar.
Para uma empresa crescer e se desenvolver no mercado é fundamental que esta assuma compromissos que, invariavelmente, refletirão em seu passivo e, por conseguinte, em seus índices contábeis.
Tem-se, assim, outra situação de inaplicabilidade da exigência habilitatória de índices contábeis, visto que afastaria a empresa que se encontra em franco crescimento e que possui total e irrestrita condição de executar o contrato pretendido. Exemplo dessa situação seria a PETROBRAS, cujos balanços patrimoniais estão disponíveis para consulta na internet[7].
Em análise às demonstrações contábeis dos últimos cinco anos da empresa PETROBRAS, é possível perceber que, durante todo esse período, a maior empresa do País teve, por exemplo, índice de liquidez geral bem inferior ao patamar usualmente adotado de 1,0 (um).
Caso a PETROBRAS pretendesse participar de processos licitatórios, poderia ver-se impedida de competir, pois, pelas regras da maioria dos editais, não possuiria competência econômico-financeira suficiente para executar o contrato licitado cujo valor, às vezes, é ínfimo.
Ainda defendendo a demonstração duvidosa de competência financeira dos índices contábeis, pode ser trazida uma situação ainda mais absurda, que é o caso de empresas recém-constituídas. Uma empresa criada dias antes da entrega das propostas teria índices contábeis numericamente satisfatórios, posto que seriam utilizados os dados contábeis do seu balanço de abertura, único então disponível.
Neste passo, tendo como seu ativo o capital social integralizado, a licitante, recém surgida, teria índices muito superiores às grandes empresas do ramo já existentes no mercado.
É indiscutível que a razão entre o ativo e o passivo de uma empresa, em um balanço de abertura, é absolutamente inócua para efeito de avaliação de capacidade econômico-financeira e não comprova, sob qualquer aspecto, a solvência ou possibilidade de permanência daquela empresa no mercado.
Também cabe analisar a situação de compras comuns efetuadas pela Administração. Em contratos dessa natureza, não são raros os casos em que a empresa contratada apenas entregará um produto que, inclusive, já pode estar disponível em estoque.
Ora, se a empresa já possui o produto, não faz sentido a análise de um índice contábil para definir a segurança jurídica da contratação pretendida.
Apenas para cessar a interminável lista de situações nas quais os índices contábeis são extremamente prejudiciais ao procedimento licitatório, cabe questionar a utilidade dos índices contábeis com base em um período muito anterior ao da execução do contrato.
Exemplo disso é o caso das licitações promovidas em março de 2010, nas quais as proponentes comprovaram atender aos índices contábeis apresentando valores retirados do balanço patrimonial encerrado em 31 de dezembro de 2008.
As informações analisadas para a licitação não são atuais e, na grande maioria dos casos, não representam a realidade da empresa no momento do certame.
É fato que os índices contábeis compõem uma ferramenta pericial importante para a construção de uma análise holística da empresa em questão. Não se discute a importância e relevância desse instrumento contábil. Entretanto, é questionável, a sua funcionalidade quando utilizada de forma indiscriminada, como instrumento conclusivo de análise da saúde financeira da empresa.
CONCLUSÃO
É possível concluir que a exigência de índices contábeis, da forma como vem sendo utilizada nos procedimentos licitatórios, não atinge seu objetivo de fornecer uma maior segurança à Administração e, muitas vezes, traz consequências mais danosas que benéficas à contratação pretendida, excluindo empresas capacitadas e permitindo a participação de empresas sem condições de executar o contrato desejado.
É dever do administrador público proteger a Administração e o patrimônio público. Para tal, deve o instrumento convocatório prever exigências que, efetivamente, tragam maior segurança ao erário, sem restringir, desnecessariamente, o caráter competitivo do certame licitatório.
Uma das formas possíveis de segurança à Administração seria a análise dos índices contábeis, combinada com a verificação de patrimônio líquido das licitantes, sendo ainda, facultada a prestação de garantia adicional, quando da não-comprovação dos índices/patrimônio exigidos pelo edital. Assim seria possível afastar as licitantes que não possuem condições de contratar com a Administração, mas sem eliminar aquelas que detenham potencial econômico para cumprir o contrato, o que poderia ser comprovado mediante garantia, trazendo segurança à Administração do adimplemento contratual.
Contudo, a hipótese aqui levantada não guarda amparo na legislação em vigor.
Buscou a Instrução Normativa MARE/GM nº 05/95 trazer regra quanto à forma de aplicação dos índices contábeis nos instrumentos convocatórios. Contudo, pecou a instrução ao sobrepor-se à sua competência legiferante e ultrapassar a disciplina do artigo 31, § 5º, da Lei 8.666/93. A IN 05/95 não considera as especificidades de cada procedimento licitatório e coloca em uma cesta única situações absolutamente distintas, inclusive aquelas nas quais os índices contábeis são totalmente inúteis.
Conclui-se, portanto, que, enquanto não revista a legislação no tocante à forma da exigência de índices contábeis, deve o administrador evitar a utilização desse mecanismo de afastamento dos interessados, sob pena de recair em procedimento licitatório maculado pela participação de licitantes inaptas ou pela exclusão de proponentes plenamente capacitadas.
Florianópolis-SC, 30 de agosto de 2010.
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REFERÊNCIAS:
[1] DALARI, Adilson Abreu. Aspectos Jurídicos da Licitação. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 131.
[2] CITADINI, Antonio Roque. Comentários e jurisprudência sobre a lei de licitações públicas. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. 215.
[3] BOSELLI, Paulo. Simplificando as licitações. 2. ed. São Paulo: Edicta, 2002. p. 51.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 185.
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 469.
[6] ALCOFORADO, Luis Carlos. Licitação e Contrato Administrativo. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p. 180-181.
[7] Disponível em: http://www.petrobras.com.br. Acesso em: 27 ago. 2010.