09/08/2014 – Auditoria na Petrobras revela licitações dirigidas e contratos fajutos na Transpetro
Época
Diego Escosteguy
Nada a temer: os diretores têm padrinhos políticos fortes…
No começo de 2012, o empresário German Eframovich, dono do grupo Sinergy, esteve em Brasília para uma rodada de conversas com seus muitos contatos políticos. O Sinergy é um vasto conglomerado. Inclui empresas como a companhia aérea Avianca, os estaleiros Eisa e Mauá, fazendas de café, hotéis e laboratórios de remédios. A maioria dos negócios de German, como é conhecido no meio empresarial e político, depende da boa vontade de Brasília. Nenhum depende tanto quanto os contratos na Petrobras. Especialmente na Transpetro, subsidiária de transporte e logística da estatal. Naquele momento, os estaleiros de German detinham R$ 1,2 bilhão em contratos com a Transpetro, em parte financiados pelo BNDES. A ascensão de German na Transpetro dera-se na gestão do ex-senador Sérgio Machado, do PMDB cearense. Ele assumira a empresa ainda no começo do governo Lula, em 2003. Machado não entendia nada de navios, terminais ou oleodutos. Mas tinha o padrinho certo: o senador Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas. German, um empresário que aprendeu cedo o valor dos atalhos do poder, mantinha excelentes relações com Machado e Renan.
Numa das reuniões daquela viagem, German recebeu uma notícia que o deixou transtornado, na definição de quem estava lá. A presidente Dilma Rousseff decidira demitir Machado. Para o lugar dele, já até convidara o petista José Eduardo Dutra, presidente da Petrobras nos primeiros anos do governo Lula. German soltou uma profusão de palavrões. “Estou lascado! O que vou fazer agora?”, repetia aos interlocutores. Com Dutra à frente da Petrobras, German, que prosperara na estatal durante o governo Fernando Henrique Cardoso, não conseguira emplacar mais contratos. Tivera muitos encontros com o sindicalista Diego Hernandes, chefe de gabinete de Dutra, e com o lobista Fernando Moura, ligado ao grão-petista José Dirceu – os dois homens que, naquele momento, melhor resolviam os problemas dos grandes empresários na Petrobras. Não adiantou. German perdeu muito dinheiro. Se Dutra assumisse a Transpetro, German corria o risco de perder seus contratos bilionários. Deixou a reunião às pressas e foi ajudar numa articulação do PMDB para barrar a decisão de Dilma.
O movimento dela era arriscado – e ela demonstrara, a interlocutores, saber disso. Desde que assumira o governo, em 2011, Dilma tentava reduzir, sem sucesso, o aparelhamento político na Petrobras. Enfrentava a resistência de Lula e dos demais padrinhos de quem estava na estatal. No começo de 2012, enfrentou parte dessas resistências. Demitiu o sindicalista José Sérgio Gabrielli da Presidência da Petrobras e nomeou Graça Foster para o cargo. Demitiu também o diretor internacional, Jorge Zelada, indicado pelo PMDB da Câmara, e o diretor de abastecimento, Paulo Roberto Costa, bancado por um consórcio entre PP, PMDB, PT e Lula. (Costa é aquele que foi preso recentemente pela Polícia Federal.) Dilma não conseguiu apear todos que queria. O principal deles era Machado. Os telefonemas ao gabinete presidencial vieram de todos os lados. O recado era claro. Se demitisse Machado, Dilma perderia o Senado – pois quem comanda o Senado, senão o PMDB de Renan?
Difícil quebrar as leis do poder. Machado ainda é presidente da Transpetro. Os demais diretores da empresa são técnicos – um dos apadrinhados do senador Romero Jucá foi demitido recentemente. Sobrou apenas o pastor Rubens Teixeira, indicado pelo senador Marcelo Crivella, do PRB, candidato ao governo do Rio de Janeiro. Ele é diretor financeiro da Transpetro desde 2008. Administra um orçamento de quase R$ 8 bilhões. Como o padrinho Crivella, Teixeira é da Assembleia de Deus. Dá cultos no Ministério Óleo e Vida, em Duque de Caxias, no Rio. Entende tanto da indústria de petróleo quanto Machado.
Essa união de interesses permite entender por que a atual CPI da Petrobras no Senado nunca sairia do lugar – como a anterior, em 2009, também não saiu. A revelação de que executivos da estatal receberam dos senadores as perguntas antes dos respectivos depoimentos torna-se ainda mais compreensível. Como são compreensíveis os gestos de Renan na semana passada, quando classificou de “graves” as denúncias e abriu uma sindicância para investigar o caso. Quanto mais esse assunto dominar as atenções do Congresso, maior a chance de a gestão dos senadores na Transpetro continuar despercebida, tanto na CPI do Senado quanto na CPI mista, que funciona, mesmo aos solavancos.
A auditoria interna encontrou empresas-fantasmas participando de licitações
Nos últimos anos, apareceram suspeitas de irregularidades na Transpetro. Nenhuma foi investigada a fundo. A maioria foi abafada, por pressão política, no TCU e dentro da própria Petrobras. Recentemente, ÉPOCA teve acesso a um relatório confidencial da auditoria interna da Petrobras que investigou a Transpetro. É o primeiro documento do tipo a vir a público em anos. Mais espantoso que seu conteúdo é que, dois anos depois, o principal responsável pelas irregularidades ainda esteja no cargo. Trata-se do pastor Teixeira, diretor financeiro da empresa.
Os auditores da Petrobras, mesmo tendo poderes limitados de investigação, descobriram uma fieira de irregularidades: licitações dirigidas, empresas-fantasmas participando de licitações, empresas minúsculas ganhando, sem licitação, contratos milionários, empresa de amigo faturando contrato, empresa que recebeu mesmo sem prestar quaisquer serviços… Descobriram ainda casos de nepotismo e de uso ilegal dos carros dos diretores. Tudo isso sob a responsabilidade do pastor Teixeira e sob a complacência dos demais diretores da Transpetro. Nada aconteceu, apesar dos pedidos dos auditores. “Tendo em vista a gravidade das não conformidades, as quais fragilizam o ambiente de controle e possibilitam a ocorrência de fatos que ferem a ética empresarial, faz-se necessário que a Transpetro adote as medidas cabíveis e apure as responsabilidades no sentido de evitar a repetição de situações semelhantes, que podem comprometer a gestão da companhia e sua imagem pública”, escreveram.
O caso mais lapidar do que acontece quando pessoas como o pastor Teixeira são apadrinhadas para um cargo desses envolve uma empresa chamada Gênesis Consultoria. Ela foi criada em maio de 2009. Três meses depois, foi contratada pelo pastor Teixeira, sem licitação e por R$ 1,5 milhão, para prestar serviços de “consultoria especializada”. Dispensou-se a licitação porque a dona da Gênesis, Izabel Cristina Machado, tinha “notória especialização”, embora tivesse trabalhado apenas cinco meses como “consultora” da Transpetro, com o pastor Teixeira. Descobriu-se, pelas notas fiscais, que a Gênesis nunca tivera outro cliente. Verificou-se que a Transpetro gastara valores muito acima dos praticados no mercado para bancar os salários de sete consultores. A Transpetro não conseguiu explicar aos auditores o que a Gênesis fez.
Por que a Gênesis foi contratada? A resposta ficou logo óbvia. A “consultora” Izabel era amiga do pastor Teixeira. Fora chefe dele quando ambos trabalharam no Banco Central. De tão próximos, Izabel contribuiu com um capítulo para a biografia autorizada do pastor Teixeira. A obra se chama Do monturo Deus ergue um vencedor. “Escrever um testemunho sobre o Rubens significa, em parte, escrever um testemunho sobre minha própria vida, pois durante alguns anos experimentamos uma parceria diária que exigiu de nós sintonia perfeita diante de algumas situações críticas. Foi a partir dessa vivência diária intensa que pude conhecer Rubens, não só como servidor público exemplar, homem íntegro e amigo leal, mas, principalmente, como servo fiel do Senhor Jesus Cristo”, escreveu Izabel. “Nosso convívio diário nos aproximou como amigos.”
Rubens Teixeira convocou empresas de engenharia e eletricidade numa licitação para alugar carros
Numa licitação para alugar carros, o pastor Teixeira convocou oito empresas, embora cinco delas nem sequer fossem do ramo – havia empresas de engenharia e de manutenção elétrica. As outras nem estavam no cadastro da Petrobras. A empresa Rondave ganhou um contrato de R$ 13 milhões praticamente sem concorrência. Noutra licitação, para um contrato de R$ 6 milhões, uma empresa com capital de R$ 2 mil foi chamada a participar. Numa amostra de poucos contratos, os auditores calcularam em R$ 2 milhões os prejuízos com aditivos exagerados. Noutro caso de gasto suspeito, o relatório cita as jornadas exaustivas dos motoristas da Transpetro. Eles trabalhavam entre 5h40 da manhã até 3 horas da madrugada do dia seguinte, a julgar pelos papéis faturados pela empresa terceirizada. Alexander Assis de Oliveira, um dos assessores do pastor Teixeira, contratou sua mulher, Amanda Assis. Todos são da mesma igreja. O pastor Teixeira usava seu carro oficial no fim de semana e nas férias. O motorista também era de sua igreja. Como nada foi feito, as mesmas empresas continuavam a ganhar contratos tranquilamente na Transpetro.
A Transpetro informou que “as não conformidades foram devidamente sanadas pelos órgãos responsáveis, e as recomendações devidamente atendidas. Nesse sentido, seis colaboradores foram afastados da companhia e procedimentos contratuais foram adequados ao que foi recomendado”. A empresa não declinou os nomes dos afastados. Procurados, o senador Renan e o empresário German não responderam. O pastor Teixeira afirmou que “tem relação de amizade com o senador Marcelo Crivella, assim como com outros parlamentares. Com relação ao cargo que ocupa na Transpetro, sua nomeação se deu por meio da aprovação do Conselho de Administração da companhia, considerando suas competências técnicas comprovadas”. Crivella disse que indicou o pastor Teixeira por suas qualificações: “Formou-se oficial de carreira da arma de infantaria na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), cursou engenharia no Instituto Militar de Engenharia (IME) e foi aprovado em concurso para o cargo de analista do Banco Central. É mestre em engenharia nuclear, doutor em economia e pós-graduado em auditoria e perícia contábil”. Diz que se encontram eventualmente na igreja, “pois professam a mesma fé”.