Acidente com vítima
Uma empreiteira desenvolveu um projeto para construção de um hospital numa cidade do interior do Nordeste. Preparou todo o trâmite para aprovação do convênio que iria trazer a verba necessária, conseguiu incluir essa obra no orçamento da união, e também montou todo o processo licitatório necessário para a seleção da empresa a ser contratada para a execução do contrato.
Como ela fez todo esse serviço, sem receber nada, entendia que seria justo que fosse ela a vencedora da licitação, como uma forma de retribuição à generosidade demonstrada em auxiliar àquela Prefeitura, a qual não teria a menor condição de realizar todo aquele trabalho.
O edital foi devidamente publicado e à medida que surgiam os pretendentes àquela licitação, eles eram avisados, informalmente, que aquele processo era apenas para oficializar a contratação da empresa que iria executar a obra, uma vez que o recurso financeiro só seria disponibilizado se fosse para aquela empreiteira.
Uma das interessadas, não se conformando com a informação, tomou todas as medidas que eram exigidas para a participação, tais como a compra do edital, a visita ao local da obra e a prestação de garantia.
A empresa que visava furar o “esquema”, muito provavelmente, apresentaria um preço bem inferior àquele que seria ofertado pela empreiteira que montou o processo, uma vez que não teve o custo com o trâmite burocrático para viabilizar a licitação, nem de pagar os “acordos” necessários para ser a pré-escolhida.
Diante da possibilidade iminente de participação de uma empresa indesejada, um dos diretores da empreiteira que deveria ganhar a licitação pediu para um amigo provocar um acidente de trânsito com a pessoa que estaria levando a proposta da licitante “furona”.
No dia da licitação, o amigo do diretor aguardou a passagem do intruso na saída de um posto de gasolina, estrategicamente localizado. Quando foi avisado da aproximação do concorrente, ele arrancou o seu carro de tal forma a colidir, de frente, com o veículo que o pretendente a licitante estava dirigindo.
Apesar da batida ter sido muito suave, o amigo do diretor permaneceu no seu carro, fingindo estar com muitas dores, principalmente na cabeça, a qual alegava ter batido na coluna do seu veículo.
Gemendo de dor, solicitou que o outro motorista o levasse para um hospital, pois ele já não estava enxergando mais nada e estava com uma tontura muito forte.
Preocupado com o estado de saúde da vítima (e como obriga o Código Nacional de Trânsito) o licitante intruso conduziu o motorista supostamente machucado ao hospital, que ficava relativamente distante do local do acidente, e mais longe ainda da Prefeitura.
Durante todo o trajeto o amigo do diretor se queixava de dor e pedia para o homem que o socorria que dirigisse mais devagar. Chegando ao hospital, foi atendido pelo médico, sempre exigindo a presença do outro motorista que lhe prestou total apoio.
Logo após as 14:00 horas, horário limite marcado para a entrega das propostas, o paciente teve uma súbita melhora. Disse para o médico que lhe atendia que já estava normal e que não seria necessário mais os seus cuidados. Virou-se então para o motorista que havia colidido com o seu carro, agradeceu imensamente pelo seu socorro e pela sua dedicação para com ele, sem a qual poderia estar até morto nessa hora. Terminou por se despedir dele, dizendo que esperava não ter causado nenhum grande incômodo com aquele episódio.
O licitante impedido de participar até foi à Prefeitura, mesmo sabendo que não mais seria aceita a sua proposta, diga-se de passagem, nem pediu para que ela fosse aceita.
Mesmo sem ter contado a sua aventura no pacato trânsito local, percebeu no semblante dos presentes um sorriso irônico com a sua tardia chegada, o qual denunciava o que ele havia sido vítima de uma armadilha.
Daquela licitação ele levou, além de um pára-lama amassado, apenas a lição de que não deveria ir dirigindo um carro sozinho para uma licitação, onde não era desejado.
Todos os casos narrados nesta seção foram criados para ilustrar conceitos licitatórios, não sendo, portanto, situações reais. Qualquer semelhança de fatos aqui descritos com eventos ocorridos é mera coincidência.