OS EFEITOS DE UMA CRISE PANDÊMICA NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Como a Administração Pública e os particulares contratados podem lidar com as consequências da COVID-19?
Felipe Boselli[1]
Paulo Boselli[2]
Lucas Hellmann[3]
Praticamente todos os países do mundo correm contra o tempo para reduzir a progressão do número de infectados pela COVID-19, o novo Coronavírus, que hoje (23/03/2020) já ultrapassou 357.000 casos confirmados, atingiu 193 países e levou a óbito mais de 15.000 pessoas, segundo dados da WorldOMeter.
Como decorrência da grave crise sanitária, a COVID-19 provocou abalos no sistema financeiro mundial, no mercado internacional e na produção industrial em escala global – a China, epicentro da crise, registrou uma redução de 13,5% na produção industrial no primeiro bimestre do ano, o pior em 30 anos.
Neste atípico cenário, governos vêm adotando rigorosas medidas de contenção, como o fechamento de fronteiras e a restrição do trânsito de pessoas e mercadorias. No Brasil, onde a situação de calamidade pública já foi decretada, diversos estados e municípios determinaram a paralisação dos serviços de transporte e a suspensão de atividades empresariais consideradas não essenciais.
A excepcionalidade da situação tem, obviamente, impactos diretos e indiretos nas relações negociais, sejam públicas ou privadas, sobretudo em decorrência dessas medidas restritivas impostas. Cabe-nos, por ora, analisar os efeitos dessa pandemia nos contratos administrativos.
A Lei 8.666/1993, que rege as relações contratuais público-privadas, prevê, em seu artigo 65, inciso II, alínea “d”, a possibilidade de alteração bilateral dos contratos para o reestabelecimento do seu equilíbrio econômico-financeiro nos casos em que o cumprimento dos termos inicialmente acordados não é possível por “força maior”, que caracteriza a chamada álea econômica extraordinária e extracontratual.
Redação semelhante é encontrada no inciso VI do artigo 81 da Lei 13.303/2016, que orienta os contratos das empresas públicas e sociedades de economia mista e de suas subsidiárias, ou no artigo 9º, § 4º, I, da Lei nº 12.462/2011, que trata do Regime Diferenciado de Contratações.
Ainda que não exista uma definição legal clara do que constitui a força maior, é possível classificá-lo como um evento previsível ou imprevisível, gerado pelas forças da natureza, cujos efeitos são inimagináveis ou irresistíveis.
Assim sendo, é certo considerar que crises sanitárias como esta causada pela COVID-19 configuram hipótese de força maior apta a fundamentar o reequilíbrio econômico-financeiros dos contratos que tenham sido afetados direta ou indiretamente.
Esse impacto pode ser causado por inúmeras razões, tais como: a) redução da produção que gere o desabastecimento ou aumento de preços; b) variação de custos de transporte; c) inviabilidade de alocar pessoal no contrato, por contaminação ou risco; d) restrições de deslocamento entre cidades; e inúmeras outras.
Cabe, obviamente, uma detida análise sobre os reais impactos da crise e a extensão do desequilíbrio contratual gerado em cada caso concreto, conforme as regras contratuais aplicáveis, evitando os abusos das partes contratuais.
Além do reequilíbrio contratual, a situação em comento também pode ser causa impeditiva à própria execução do contrato, hipótese em que a sua rescisão é possível pelo inciso XVII do artigo 78 da Lei 8.666/1993.
Nestes casos, é necessária a demonstração da impossibilidade fática de continuidade da execução dos contratos ou, ainda, a inviabilidade econômica de cumprimento do objeto, se a Administração não promover o necessário reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Será importante, ainda, a análise sobre dolo ou culpa do contratado e se, efetivamente, não há responsabilização administrativa a ser feita no momento dessa rescisão.
Isto porque, momentos de crise acabam por afetar determinadas áreas, mas não outras. Deve a Administração estar atenta para analisar cada caso, com parcimônia e justiça.
Ainda, se a crise vier a impedir o cumprimento das obrigações contratuais nos prazos previstos ou demandar o atraso no ritmo previamente programado, a Lei 8.666/1993 faculta, em seu artigo 57, parágrafo 1º, inciso II, promover a prorrogação do prazo de execução dos contratos.
Durante a crise que está deflagrada pelo contágio com a COVID-19, é preciso um esforço comum para que a sustentabilidade dos contratos e a saúde financeira de todos os envolvidos não sejam acometidas, o que geraria uma crise ainda mais grave de desabastecimento no futuro. Sobretudo em cenários atípicos como este, uma comunicação eficiente e transparente entre o contratado e a Administração é essencial.
As discussões sobre o tema são infinitas. Para tentar colaborar com isso, faremos uma live para discussão no canal @felipeboselli do Instagram, no dia 25/03 (quarta-feira), às 17h, estão todos convidados.
[1] Doutor em Direito do Estado. Advogado, professor e Conselheiro da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN. Diretor de Direito Público da Escola Superior de Advocacia – ESA-OAB/SC e Secretário-Geral do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC
[2] Professor e consultor de licitações. Formado em Administração Pública, em Construção Civil e em Administração, com pós-graduado em Direito Administrativo, em Auditoria Governamental e em Didática.
[3] Acadêmico do curso de direito da UFSC.