17/09/2013 – Falta de confiança ameaça concessões
Correio Braziliense
Victor Martins / Paulo Silva Pinto
INFRAESTRUTURA / Fracasso do leilão da BR-262 acende luz amarela e Planalto altera o calendário das licitações de rodovias
Ninguém quer o governo como sócio nas obras relacionadas ao programa de concessões na área de infraestrutura. A aversão do investidor à presença do Estado é tamanha que, mesmo ofertas aparentemente irrecusáveis, como a execução de parte dos projetos por órgãos públicos, são vistas com desconfiança. As críticas ao modelo de privatização já provocam no Executivo o temor de que fracassos como o da licitação de um trecho da BR-262, entre Minas Gerais e Espírito Santo, para a qual nenhum interessado se apresentou, possam se repetir e contaminar todo o processo. Por isso, o Planalto montou um gabinete extraoficial de crise, chefiado pelo ministro do Transporte, César Borges, que vai trabalhar em contato direto com a presidente Dilma Rousseff para tentar garantir o sucesso dos próximos leilões. Ontem, mesmo for anunciada a mudança no cronograma das licitações de rodovias. Agora, será oferecido um trecho de cada vez.
A situação da BR-262 contrasta com a da BR-050, entre Goiás e Minas Gerais), para a qual oito grupos se candidataram, na semana passada. Segundo especialistas, a concessão teria sido inviabilizada, entre outros motivos, pela promessa de que o Departamento Nacional de Infraestrutu-ra de Transportes (Dnit) ficaria encarregado de executar parte da duplicação da estrada. Escaldados pela notória ineficiência governamental, os investidores tiveram receio de que a autarquia não terminasse o trabalho dentro do prazo estipulado no edital.
Nessa situação, o consórcio vencedor ficaria sujeito a punições por descumprimento dos termos do contrato. O que era, portanto, uma manobra para aumentar a atratividade do negócio, acabou sendo uma ação que afugentou os empresários. Para o govemo, o que pesou foi o receio de que políticos do Espírito Santo contestassem na Justiça a cobrança de pedágio nos trechos privatizados, o que inviabilizaria a rentabilidade do negócio.
Risco
As queixas contra a presença do Executivo nos consórcios vêm desde os primeiros leilões de aeroportos, quando as empresas interessadas nas concessões foram obrigadas a se associar à In-fraero. “Coisas como essa fazem o setor privado ter muitas ressalvas”, disse Felipe Kfuri, advogado e especialista em infraestrutura do escritório L.O. Baptista-Sch-midt, Valois, Miranda, Ferreira, Agel. O modelo desenhado para os terminais portuários também é motivo de queixas. Para especialistas, a centralização de decisões e atribuições na Secretaria de Portos fará com que a transferência do negócio para a iniciativa privada fique pela metade.
“O governo federal, pelo seu modo de operar, pode gerar dificuldades e tirar agilidade nas tomadas de decisão”, argumentou Kfuri. Segundo o advogado, risco político sempre existe, “em maior ou menor grau”. “Porém, se a equação entre investimento, risco e retorno for boa, não veremos mais desistências. As empresas estão focadas no resultado”, disse. Fábio Scheuenstuhl, sócio da consultoria Mercochipping, avalia que, no caso dos portos, os processos estão “cheios de vício”. “Parecem não considerar o interesse público e das empresas”, reclamou.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), diz que não há falhas estruturais no processo, mas garante que está analisando todas as críticas do setor privado. Em nota encaminhada ao Correio, a agência informou que um grupo de servidores avalia os estudos de viabilidade técnica e ambiental. “A grande maioria das áreas a serem licitadas já realiza há décadas a mesma atividade, ou seja, a movimentação e armazenagem de cargas dentro de porto organizado”, diz o comunicado.
Ajustes
Diante do cenário de desconfiança, o ministro dos Transportes, César Borges, anunciou que, diferentemente do plano original, nas concessões aero-dovias o governo vai oferecer um trecho de cada vez. “Não termos mais do que um lote em cada edital. Haverá datas diferenciadas para todos, e não serão colocadas duas (estradas), até para dar tempo para o setor privado analisar”, disse o ministro, após reunir-se com a presidente da República.
Ainda segundo César Borges, o govemo considera várias possibilidades para a BR-262 e pode reabrir o processo de licitação. Uma das opções em análise, no entanto, é o Executivo desistir do leilão e assumir integralmente as obras da rodovia por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — um pedido de parlamentares do Espírito Santo. Borges garantiu que a decisão de leiloar uma rodovia por vez não vai atrasar o cronograma do Programa de Investimento em Logística (PIL), com exceção da BR-116 (no trecho de Minas Gerais), que pode ficar para o início de 2014.
“Já estamos estudando esse cronograma e acho que dá para fazer todos os leilões até dezembro. No máximo, uma rodovia passará para o próximo ano” disse Borges. O ministro prometeu eliminar todos os entraves, a exemplo do chamado “risco Dnit”. “Tüdo o que for avaliado como dificuldade nós vamos remover. O importante é que o processo está de pé”, garantiu Borges.
No mercado financeiro, a avaliação é de que o programa de concessões é necessário, mas o momento pode não ser o melhor. Luciano Rostagno, estrate-gista-chefe do banco Mizuho, pondera que o governo terá de trabalhar duro para vencer a desconfiança. “O cenário não está favorável para as concessões. Os protestos populares, em junho, envolveram a cobrança de pedágio, o que acabou forçando os governos a revogar reajustes”, lembrou. “Isso cria uma incerteza contratual que leva os investidores a pedir prêmios maiores, e o governo precisa saber lidar com isso” observou.