O Globo
TEMA EM DISCUSSÃO: Regime diferenciado de obras públicas
A divulgação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), normas especiais para evitar que a burocracia da legislação e da máquina estatal impeçam a realização da Copa e das Olimpíadas, criou, num primeiro momento, um mal-entendido. E o governo teve razão de reclamar da interpretação dada ao sigilo sobre os orçamentos das obras dos eventos, antes da abertura das propostas nas licitações.
De fato, não se pretendia manter secretas as informações sobre o andamento da execução dos projetos. Apenas não serão divulgados os valores de referência para cada licitação, como forma de se evitar – ou dificultar – a formação de cartéis entre as empresas interessadas. Faz sentido. Se vai funcionar, é outra história. Definido o vencedor de cada concorrência, tudo será tornado público.
Houve mesmo este erro de interpretação, mas isso não significa que o RDC não tenha dispositivos criticáveis. Até porque, ao flexibilizar a lei de licitações, o próprio governo reconhece sofrer pressões para ampliar ao máximo a abrangência do novo regime, a fim de viabilizar obras sem relação direta com os eventos esportivos.
É com este espírito que o deputado Jovair Arantes (PTB-GO) conseguiu emplacar emenda à MP do novo regime, na Câmara, para, sem qualquer justificativa aceitável, estender o RDC a regiões num raio de 350 quilômetros em torno da cidade escolhida para sede de qualquer chave da Copa de 2014. O objetivo de Arantes seria beneficiar Goiânia e Florianópolis. Já o PDT radicalizou, nesta mesma direção, ao apresentar emenda que, na prática, permite a aplicação do RDC a qualquer obra pública. Quer dizer, revogaria a própria lei de licitações.
O governo precisa resistir às pressões, evitar que obras sem relação com a Copa e as Olimpíadas tenham tratamento especial, e terminem custando mais do que deveriam para o contribuinte. Esta é uma questão a ser debatida. Para ganhar tempo, licitações poderão ser feitas sem a necessidade do projeto básico das obras. Entende-se, portanto, que aumentam as probabilidades de reajustes de custo durante a construção. E como o RDC altera a lei de licitações, com a flexibilização das regras para aditivos a contratos, há o risco de superfaturamentos astronômicos.
Não é boa a experiência brasileira com esses grandes empreendimentos. No Pan-Americano de 2007, no Rio, o orçamento começou em R$400 milhões e fechou em R$3,7 bilhões. Com o grave problema adicional de não ter deixado de herança para a cidade qualquer grande obra de infraestrutura – o que se espera não venha a ocorrer desta vez, com as Olimpíadas.
Na realidade, o RDC é um “jeitinho” para a burocracia do Estado não inviabilizar a Copa e as Olimpíadas. Por que, então, não se agiu antes? Depois da escolha, em 2009, do Brasil e do Rio para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, nada foi feito de forma efetiva para se aperfeiçoar a lei de licitações. Alega-se que o Congresso fez pouco caso de um projeto encaminhado com este objetivo. Ora, quando quer, o Planalto move montanhas. Deixou-se o tempo passar, para se criar o regime especial de licitações por meio de medida provisória. A velha tática dos fatos consumados.
O grupo político no poder nunca gostou da atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) no acompanhamento de obras públicas. Nem das agências reguladoras. É preciso atenção para que esta mesma postura não transforme as duas competições numa gigantesca e custosa caixa-preta.