28/11/2010 – Licitação de R$ 120 milhões apresenta indício de fraude
Folha de S. Paulo
Mario Cesar Carvalho e Silvio Navarro
Notas de concorrentes foram alteradas depois de atribuídas, contrariando lei
Documentos mostram falhas em escolha de agência de publicidade que vai gerir conta do Ministério da Saúde
A maior licitação de publicidade deste ano do governo Lula, para escolher as agências que vão cuidar de uma verba anual de R$ 120 milhões do Ministério da Saúde, tem indícios de fraude, de acordo com documentos obtidos pela Folha.
As notas atribuídas a 11 das 31 agências que disputavam a concorrência sofreram mudanças no meio do processo que contrariam a lei, de acordo com os advogados Paulo Boselli e Paulo Gomes de Oliveira Filho.
Uma mesma agência aparece com uma nota no começo da disputa e recebe uma avaliação maior depois.
A assessoria de comunicação da Saúde diz que a divergência de notas é resultado de um erro formal que não altera o resultado da disputa.
O processo de licitação durou mais de seis meses -foi aberto em 1º de março e encerrado no último dia 19.
O Ministério da Saúde tem uma das maiores verbas de publicidade do governo. Os R$ 120 milhões são o mesmo valor que o Bradesco paga para ser o patrocinador do “Jornal Nacional” e pouco mais de 10% do R$ 1,1 bilhão previsto para o governo gastar no primeiro ano do governo de Dilma Rousseff.
DISPUTA
A disputa pela conta da Saúde seguiu a nova lei para contratar agências de publicidade, sancionada pelo presidente Lula em abril.
A nova legislação foi criada com dois objetivos básicos, segundo o advogado Paulo Boselli, especialista em licitações: reduzir julgamentos subjetivos e evitar que o órgão contratante direcione a disputa.
Uma comissão composta por três técnicos do ministério atribui notas à proposta das agências. Cada agência recebe um número, para evitar simpatias ou antipatias dos julgadores.
Como nos julgamentos de escolas de samba, as notas são atribuídas a quesitos. São julgados raciocínio básico (10 pontos) estratégia de comunicação (25), ideia criativa (também 25) e estratégia de mídia (10), num total de 70 pontos. Nessa fase, os julgadores não sabem quem são as agências.
Já com o nome da agência, outros 30 pontos são atribuídos à capacidade de atendimento, atualização tecnológica da agência e repertório.
Só na planilha final são reunidos os critérios do julgamento às cegas com a avaliação da capacidade da agência.
Essas notas só podem sofrer mudanças em duas condições, segundo o advogado Paulo Gomes de Oliveira Filho, consultor jurídico da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade): 1) quando houver uma divergência de 20% ou mais entre a menor e a maior nota; 2) se a agência apresentar um recurso contra a avaliação.
A mudança para as divergências acima de 20% visa evitar disparates ou perseguições. Num exemplo hipotético, imagine que dois jurados deem 8 para um certo quesito e o terceiro atribua 2.
Para evitar divergências difíceis de explicar, a nova lei prevê a correção “a fim de restabelecer o equilíbrio das pontuações atribuídas”. O alvo são os critérios objetivos.
PLANILHAS
Nas planilhas obtidas pela Folha, as notas finais, já com o nome da agência, não coincidem com as que aparecem na fase em que o proponente é desconhecido. A Arcos, por exemplo, teve 48 pontos na planilha inicial e 51,17 na tabela final.
No placar final, a diferença entre a quarta colocada (vencedora) e a quinta foi de 0,16. Um eventual ajuste de um ponto poderia ter modificado o resultado da licitação
Publicitários ouvidos pela Folha sob a condição de que seus nomes não fossem citados dizem que a mudança nas notas pode ser resultado de pressão política.
A concorrência teve quatro vencedoras: Propeg, Agnelo Pacheco, Calia Y2 e Borghierh Lowe. Das quatro, as duas primeiras já detinham a conta da Saúde.
Apesar de conseguirem boas notas nos quesitos, as quatro vencedoras foram criticadas em parecer dos técnicos. “Aborda superficialmente o Farmácia Popular, não menciona suas vertentes, benefícios e obrigatoriedades”, afirmam os julgadores sobre o quesito “raciocínio básico” da proposta da Borguierh.
Primeira colocada no certame, a Propeg também foi contestada na avaliação de “ideia criativa”. Os técnicos dizem que o material “apresenta muitos elementos gráficos tornando-o congestionado”. “Além disso, a maioria das peças aparenta ter custo elevado de produção.”