14/08/2016 – O que pode mudar nas licitações e quais as ressalvas ao projeto
Nexo Jornal
Bruno Lupion
Contratação integrada e permissão para empreiteiras desapropriarem terrenos tem objetivo de agilizar obras, mas modificam o controle de qualidade e custo dos projetos e sofrem questionamento jurídico. Projeto tramita no Senado
A maneira pela qual as obras públicas são contratadas e construídas está por trás de dois gargalos do Brasil: o desvio de recursos por meio da corrupção e a dificuldade de melhorar a infraestrutura necessária para tornar o país mais competitivo.
Há diversas propostas em discussão para mudar a atual lei de licitações, de 1993. O presidente interino Michel Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMBD-AL), mostram estar empenhados em reformar esse marco regulatório.
O projeto mais avançado nesse sentido tramita no Senado, em uma comissão especial criada por Renan para avaliar projetos que ele considera prioritários, batizada de “Agenda Brasil”, e está sob a relatoria do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE). O texto está pronto para ser votado no colegiado. Depois, vai ao plenário da Casa e, em seguida, à Câmara.
De 14 de julho a 10 de agosto, dois pontos-chave do texto foram modificados a partir de contribuições enviadas pela Casa Civil e pelos ministérios do Planejamento e da Transparência (ex-Controladoria-Geral da União): o uso da contratação integrada, na qual a mesma empreiteira realiza o projeto e executa a obra, em empreendimentos de qualquer valor, e a permissão para que a própria empreiteira desaproprie os terrenos necessários.
As modificações têm o objetivo de agilizar a contratação e execução de obras públicas ainda durante o mandato de Temer, na hipótese de o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff ser confirmado, mas modificam substancialmente a forma como o governo poderá controlar a qualidade e os custos dos projetos e levantam questões sobre sua legalidade.
Entenda o que está em jogo e como o CAU (Conselho de Arquitetos e Urbanistas) e a CBIC (Câmara Brasileira de Indústria e Construção), que representa o setor de construção civil, se posicionam sobre o tema.
Contratação integrada: a empreiteira faz o projeto e constrói a obra
O QUE É
Essa solução foi adotada pela primeira vez no Brasil nas obras da Copa do Mundo e da Olimpíada, sob o nome de RDC (Regime Diferenciado de Contratação). Por meio dela, o poder público elabora somente o anteprojeto da obra que deseja contratar, com linhas gerais sobre seu modelo e finalidade. Todo o resto, como fazer o projeto executivo (que define todos os detalhes da obra, materiais e técnicas de engenharia) e construí-la fica a cargo da empresa vencedora da licitação.
O QUE DIZ O PROJETO
A última versão do texto, apresentada na quinta-feira (11) pelo senador Bezerra Coelho, autoriza que qualquer obra pública possa ser licitada pela contratação integrada, independentemente do valor ou do objetivo. Escolas, hospitais e pequenas obras viárias, por exemplo, poderiam ser contratadas por esse modelo.
Houve uma mudança recente de opinião do senador a respeito do tema. Em dezembro de 2015, seu parecer apresentado à Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado autorizava a contratação integrada somente em obras grandes, com valor superior a R$ 500 milhões, e que dependessem de expertise avançada para serem construídas, como inovações tecnológicas ou técnicas restritas no mercado.
Na época, ele afirmou que “a engenharia de planejamento deve prevalecer nas contratações públicas” e que a contratação integrada deveria ser reservada a empreendimentos “excepcionais”.
Ao Nexo, o senador afirma, por meio de sua assessoria, que “evoluiu” a respeito do tema após receber contribuições do governo federal e do TCU (Tribunal de Contas da União). Em contrapartida, ele estabeleceu que caberá às empreiteiras oferecer um seguro ao poder público de até 30% do valor das obras de grande porte.
QUAIS SÃO AS CRÍTICAS
O Conselho de Arquitetos e Urbanistas defende que o poder público seja obrigado a elaborar um projeto executivo completo antes de realizar a licitação, para que saiba exatamente quais materiais e técnicas serão utilizadas na obra e quanto ela custaria.
Hoje, na prática, o poder público já pode fazer um projeto executivo antes de realizar uma licitação — usando seu quadro de servidores ou contratando uma empresa que elabore o projeto. Essa saída, porém, é pouco utilizada porque os governos podem não ter equipes qualificadas ou não querer perder tempo fazendo duas licitações: uma para o projeto e outra para a execução da obra. A exigência de projetos executivos antes de todas as licitações com valor de até R$ 500 milhões estava no texto anterior do senador Bezerra Coelho.
Para o Conselho dos Arquitetos e Urbanistas, o poder público deve definir o projeto executivo da obra, especificando os seus detalhes, já que ele que pagará por ela. Além disso, segundo a entidade, é arriscado dar à mesma empresa o poder de definir o projeto e construir a obra, pois abre espaço para a adoção de materiais ou técnicas de pior qualidade com o objetivo de aumentar a margem de lucro.
A CBIC (Câmara Brasileira de Indústria e Construção), que representa as empreiteiras, tem opinião semelhante. Para Carlos Eduardo Lima Jorge, presidente da Comissão de Obras Públicas da entidade, a contratação integrada só deveria ser autorizada para obras de grande vulto e com características excepcionais, e não para qualquer empreendimento, como a construção de um conjunto habitacional ou de uma escola.
“Nessas obras mais corriqueiras, quem define a solução e o planejamento é a administração pública”, afirma ao Nexo. Para ele, permitir a contratação integrada em qualquer obra implica em dois riscos: excluir da competição empreiteiras menores, sem capacidade de elaborar os projetos executivos, e abrir espaço para a empreiteira vencedora aumentar seu lucro por meio da redução da qualidade do projeto.
A empreiteira Andrade Gutierrez, um dos alvos da Operação Lava Jato, divulgou no dia 9 de maio um manifesto pedindo desculpas por ter se envolvido em práticas criminosas e apresentando oito propostas para melhorar a licitação e execução das obras públicas brasileiras. Uma delas era a obrigação de que todas as licitações fossem precedidas pela elaboração do projeto executivo, “permitindo a elaboração de orçamentos realistas e evitando-se assim previsões inexequíveis que causem má qualidade na execução, atrasos, rescisões ou a combinação de todos estes fatores”.
A empreiteira vencedora ganha o poder de desapropriar o terreno
O QUE É
Permite que a empreiteira escolhida por meio da contratação integrada, além de elaborar o projeto da obra e construí-la, promova a desapropriação das terras necessárias para o empreendimento, hoje um papel exclusivo do poder público. Esse item foi incluído na versão mais recente do projeto de Bezerra Coelho, neste mês de agosto.
Na construção de uma estrada, por exemplo, caberia à construtora, e não ao poder público, desapropriar e pagar pelos terrenos onde ela será construída. Essa novidade já constava de uma medida provisória editada pela presidente afastada Dilma Rousseff, em 2015, que não foi aprovada pelo Congresso e perdeu seu efeito. A iniciativa entra em debate novamente, agora no texto em análise no Senado.
O QUE DIZ O PROJETO
No caso de contratação integrada, o edital pode transferir à empreiteira contratada a responsabilidade para promover as desapropriações necessárias e autorizadas pelo poder público.
QUAIS AS CRÍTICAS
O presidente do CAU, Haroldo Pinheiro, é contra a medida. Para ele, isso transfere às construtoras uma “função típica” do Estado, não resulta necessariamente em ganhos financeiros para o poder público e “fere o legítimo direito dos proprietários negociarem com o governo seus interesses”.
A CBIC, que representa as empreiteiras, tem opinião diversa nesse item. Para a entidade, a medida pode agilizar a construção de obras públicas, desde que seja acompanhada de uma regulamentação efetiva, que defina regras claras sobre a transferência dessa responsabilidade às empreiteiras e como se dará a definição de valores e pagamentos. “Se, na regulamentação, o trâmite [para desapropriar] for menos complexo do que é hoje na administração pública, vai se ganhar em tempo”, diz Lima Jorge.